Chofer de Praça (1958)
É interessante
observar que, nos últimos cinquenta anos, a sociedade brasileira evoluiu muito
cultural e moralmente falando. Paradoxalmente, o humor parece que sofreu uma
espécie de involução.
Mesmo um filme de
Amácio Mazzaropi, engessado pela moral cristalizada dos anos 1950, soa tão politicamente
incorreto que as globochanchadas apelativas que anualmente aparecem no
cardápio cinematográfico brasileiro. E isso nos leva a válidas reflexões.
Os melhores filmes do
Mazzaropi sempre serão aqueles que, não somente a parte artística seja
conferida a gente mais capacitada que ele, mas aqueles onde insistem em
colocá-lo em um contexto urbano, citadino.
Chofer
de Praça realmente parece revisitar os modelos de Sai da Frente (1952) e A Carrocinha (1955),
modelos esses que seriam novamente utilizados em O Vendedor de Linguiça (1961-1962),
que estrearia anos depois.
O potencial
humorístico de um carro velho caindo aos pedaços sendo conduzido por um caipira
atrapalhado e turrão parecia - naqueles idos tempos - ser uma fonte inesgotável
de situações e histórias.
Chofer
de Praça é um filme de choques. O choque que o caipira Zacarias sofre ao
trabalhar de chofer na grande cidade; o choque entre ele e seu filho que,
formando-se em Medicina, restrito a um círculo de amizades que envolve filhos e
filhas de grandes industriais e gente de bem, alimenta dentro de si uma
vergonha muito grande de sua origem humilde e da simplicidade e pouca etiqueta
de seus pais.
É realmente raro ver
filmes de Mazzaropi onde o roteiro não desanda daquele maniqueísmo quadrado,
como é o caso de Chofer de Praça. Tudo bem que a grande malvadeza do
filho em omitir a verdadeira natureza de seus pais é consertada no final com um
tapa na cara...
É. Naqueles idos
tempos, talvez soasse muito engraçado que um chofer de praça, um taxista, não
quisesse levar um gordo grande no carro, expulsasse a mulher fresca jogando
suas sacolas de feira no chão com violência, ou apontasse uma arma ao casal
jovem que queria pagar a corrida para se entregar às putarias. Que o
trabalhador pai de família também tivesse momentos de desabrida violência e
maus tratos à sua esposa, anacrônico, controvertido e machista que é.
São situações que, de
certa forma, refletem os preconceitos e tabus da época, ainda assim são contudentes
para o espírito do tempo sob a chancela do humor, ainda mais hoje, e que
conseguem ser mais eficazes à reflexão que as flutuações ginecológicas da Globo
Filmes e a essa arte de fazer rir chata e demagógica, tão cheia de dedos e
fitas, dos stand-ups e talking shows da TV brasileira.
Mas a força de
Mazzaropi ainda está em criticar, em ridicularizar toda e qualquer forma de
preconceito de classe, que sempre quis separar o Brasil entre casa-grande e a
senzala.
Chofer
de Praça é o primeiro filme que Amácio Mazzaropi pagou do próprio bolso, com a
sua recém-fundada produtora PAM Filmes (Produções Amácio Mazzaropi), embora
usasse os estúdios e parte dos técnicos da já moribunda Companhia
Cinematográfica Vera Cruz, em São Bernando do Campo.
Comentários