Massacre em Realengo

Com o terremoto japonês, a imprensa derramava o Apocalipse. Imagens terríveis enchendo os televisores nos bares, nas lojas de eletrodomésticos, nas capas dos principais jornais da cidade. Conseguiu enegrecer a penumbra terrível das enchentes de Santa Catarina...

Se Obama no Brasil levantou uma poeira de otimismo, uma brecha de luz entrou pela cortina de sangue e escombros dos nossos jornais, da imprensa sensacionalista.

Encher os pulmões de ar puro foi uma tarefa vã, já que um jorro de sangue novo molhou nossas caras, estampando o espanto. O massacre das crianças em Realengo foi um desses tantos produtos do absurdo das grandes cidades, do caos do nosso tempo... do vácuo religioso?

Ou do excesso?

Pura loucura. O assassino fala de virgindade, pureza, castidade, numa catarse mística, cheio da mais psiquiátrica ruptura com a realidade. Com carta impressa, após o suicídio, num tom... dramático?

"Preciso de visita de um fiel seguidor de Deus em minha sepultura pelo menos uma vez, preciso que ele ore diante de minha sepultura pedindo o perdão de Deus pelo o que eu fiz rogando para que na sua vinda Jesus me desperte do sono da morte para a vida eterna."

Hã?

Matou doze pessoas, e ainda faz um pedido burocrático? Perdão?

Sempre me imprimiu negativamente a grande confusão religiosa de que vivemos nos nossos tempos. O excesso de fé parece que tem nos empurrado para longe de Deus, para a negação de uma força moral sobre nossas cabeças...

Os sensacionalistas irão fermentar mais a gasta metáfora que o Rio de Janeiro se parece com Israel. Exército nas ruas, atentados terroristas. Os fanáticos homens-bomba.

Sangue derramado ao som de um clamor doente, saturado de fé assassina. E dessa forma descem à cova não só sonhos de crianças defuntas, não só o lirismo frágil dessa morta realidade monstruosa e de moral pulverizada. Descem também os mais inspirados versículos, com os risos e gritos e sangue e urros de um mundo cada vez mais convicto em assassinar o próprio Deus.