Nada a Perder (2018), parte II

PARTE II:  O mito e seus arranhões

Os problemas do filme são intrínsecos à sua natureza – é um filme encomendado, feito para “fazer coro” ao “discurso oficial” da igreja. Por isso, a atmosfera laudatória do longa.

O contraditório é praticamente eliminado. O filme é a visão que o Macedo tem de si próprio, com alguns lapsos de modéstia, sinceridade e autocrítica.


Obviamente, Nada a Perder é uma biografia chapa-branca. Ou melhor: uma esforçada hagiografia. Feita para convertidos.

Há alguns pontos positivos que merecem ser frisados. A caracterização da época, os cenários são muito bons, verossímeis. Petrônio Gontijo, no papel do protagonista, se esforça, até que se saiu bem, afinal, o bispo é uma figura que corre o risco de cair no caricato. O ator convence com a personalidade impulsiva, teimosa e carismática do líder religioso.

Mas há certos problemas que incomodam. Os saltos temporais são deficientes: de 1962 para 1971, o personagem envelheceu uns 30 anos. O roteiro deixa a desejar: diálogos sofríveis, com frases de efeito, tudo descamba para o sentimentalismo, para a breguice edificante. A trilha sonora está empenhada em levar o público para o choro fácil.

Como um bom enlatado da indústria do entretenimento, o filme procura envolver seu público via táticas de novelão. O que denuncia, de certa forma, a formação televisiva do diretor, Alexandre Avancini.

Ele é competente e inspirado, em alguns momentos, mas, em via de regra, é um diretor de panfleto e platitudes sem fim.

O filme é manipulativo: tudo é apresentado sem nuances, num esquematismo quadrado, maniqueísta. Toda a Igreja Católica é resumida na figura patética e vilanesca de um padre. R. R. Soares é de se ter pena: é pintado como uma figura grotesca, vaidosa, que sempre se interpõe no caminho do cunhado, um rival unidimensional.

Há alguns atropelos flagrantes na historicidade: Macedo, Soares e Samuel Coutinho começaram juntos a Universal, mas, no filme, isso é colocado como se a igreja fosse uma iniciativa individual e posterior ao “racha”. Roberto MacAlister tem seu nome omitido, ACM, ministro das telecomunicações à época da compra da Record, também.

Incomoda a fala em que o bispo agradece o confisco das poupanças no Plano Collor, que prejudicou milhões de pessoas, mas, surpreendentemente, o salvou com o pagamento do canal de TV. Nessas frestas, enxergamos algo de individualista, de egoísta na fé do Edir Macedo real que talvez seja a chave para entendê-lo – ele e o Deus macunaímico que ele defende com tanto sensacionalismo.

Macedo nunca superou a prisão de 1992. O momento em que a multidão se aglomera fora da delegacia é brega, mas bonito. Ergue-se com pretensões de símbolo, de divisor de águas na vida do líder evangélico, mas a custo aceitamos que aquilo tenha acontecido realmente.

De complô em complô, o bispo toma ares de personagem de videogame, pulando pedras, enfrentando ataques dos inimigos. Isso para o público que participa dos cultos da Universal pode ter alguma lógica, mas diz pouco para quem nunca sentou em suas cadeiras.

Nada a Perder, no final, entretém, mas não esclarece. No fundo, aprendemos sobre o poder da fé, essa força invisível, interior, do homem que recebe um chamado lá do alto. Mas a verdadeira natureza do personagem se esconde mais uma vez em densas brumas de mistério.

Quem é o homem por trás do mito?

AVALIAÇÃO: REGULAR

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