Calígula (1979)

A minha geração cresceu ouvindo muito falar de Calígula. Como se o mundo fosse dividido entre as pessoas que tivessem visto o filme e aquelas que ainda não viram. Calígula, por todos esses anos, tomou para mim proporções realmente folclóricas, virando uma espécie de proibidão clássico, algo como uma experiência extrema em matéria de cinefilia.


No entanto, hoje, vendo-o pela primeira vez, percebo que toda essa sensação que ainda existe em torno dele pouco ou nada se sustenta diante dos seus 156 minutos.

Para começar, é difícil saber do que se trata o filme. Se um pornô sofisticado ou épico de realismo chocante. Esse Ben-Hur da putaria é um ambicioso exercício de subversão, cujo poder de novidade se perde já nos seus primeiros minutos.

Um filme de época com cenas de sexo explícito, ou cenas de sexo explícito entremeadas por falas e situações, se você preferir.

A câmera burocrática insiste nos planos afastados, mostrando uma opulência fake de estúdio, uma teatralidade distante e vazia. Os cenários têm aspecto de carros alegóricos de carnaval.

Assistimos sem abraçar qualquer coisa. Calígula é pouco hábil em nos envolver. O choque-pelo-choque acaba, a certa altura, nos dessensibilizando. Seus personagens, em regra rasos e sem sal, são monocórdios demais para merecer alguma simpatia. Eles agem como sombras ou comentários em torno de poder e sexo, do que pessoas reais de carne e osso. O protagonista é unidimensional, linear, caricato, às vezes oferecendo algum humor sui generis involuntário.

O imperador Calígula defendido pelo ator Malcolm McDowell é um demente de uma tecla só, um tirano com um quê de infantil. Sem ele, o filme seria um amontoado de cenas pesadas, mas com ele, a organicidade é frágil demais.

Faltou completamente qualquer “tônus dramático”. Calígula fica nessa faceta exterior de “retrato do show de perversões” que era o Império Romano, sem dar qualquer mergulho. Se existe alguma pincelada do contexto da época, ela é jogada em frases curtas na boca dos personagens.

Temos então a sensação que o filme se encomprida demais. Fica repetitivo, cansativo, girando em falso. Nos minutos finais, começamos a perceber que ele quer funcionar, ficando menos desinteressante, com cenas que exploram alguma plasticidade, havendo tensão e movimento. Mas já é tarde.

A conclusão é que Calígula deve ser celebrado mais como um acontecimento dentro do cinema do que um filme capaz de sobreviver ao tempo. Chegamos a ele com curiosidade, motivados pelo sensacionalismo que ele ainda provoca como um ruído de fundo em nossa cultura pop. Mas, na real, pouco ou nada oferece para valer uma segunda olhada.

Imagino que, se Calígula tivesse, dentre seus realizadores, alguém com mais imaginação e com experiência de estúdio, teríamos hoje o clássico que ele nunca foi. 
CALÍGULA
(Caligula)
DIREÇÃO Tinto Brass, Bob Guccione (não creditado) e Giancarlo Lui (não creditado)
ELENCO Malcolm McDowell, Teresa Ann Savoy, Peter O'Toole, Helen Mirren, John Gielgud
PRODUÇÃO (EUA/Itália, 1979, 156 min.)
AVALIAÇÃO (ruim)

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