Thor (2011)

Dos quadrinhos para as telonas: Thor reconstroi elementos clássicos da cultura nerd

Meus amigos estranham, e com bastante razão: "Fernando se rendeu aos filmes comerciais? Estará ele doente? Será isso um milagre?"



Calma, minha gente. Posso afirmar com certeza que ninguém é totalmente isento das propostas de mercado, das gastas fórmulas comerciais. É correto dizer que elas cansam por causa da estreiteza de suas ousadias em criatividade. Porém, se tais fórmulas ainda são exaustivamente repetidas, é porque ainda funcionam.

Thor é um filme de política simples, mas sua sinceridade é louvável. E é comercialíssimo até a última gota. Seu diretor apenas quer fazer diversão reinventando a roda com agudeza técnica. A adaptação dos quadrinhos criados por Stan Lee e Jack Kirby é levada às telonas com jeitão quente e competente de Kenneth Branagh (Frankenstein de Mary Shelley). Em tempos que os blockbusters aparecem de modo tímido, Thor é uma aparição pirotécnica em nossas salas de projeção... 3-D, diga-se de passagem.

Eu adorei.

O ator brutamontes australiano Chris Hemsworth é Thor, o deus da conhecida mitologia nórdica, dono de um martelo de forças estratosféricas. Chris ficou famosinho no papel de George Kirk, no último Star Trek [J. J. Abrams, 2009]. Seu personagem é arrogante, impulsivo, briguento, que, ao desafiar seu pai, o poderoso e oscilante Odin (Anthony Hopkins), cria uma guerra contra os horrendos seres feitos de gelo, destruindo uma paz há muito instaurada. Está certo que os homens-geleira não são santinhos, invadiram o reino quando Odin começava a nomear Thor para substituí-lo no trono... mas a atitude do garoto fortão é perigosamente atrapalhada.

E mesmo farejando uma tramóia no reino, Thor não consegue se livrar da ira de seu pai. Odin, como punição, tira do filho todos os poderes, e, não contente, o manda para um exílio forçado aqui na Terra...

A arrogância de Thor tem ares de comédia quando ele se depara com a rotina comum de uma cidade terrestre. Seu jeitão amalucado, bombadão, fanfarrão, fascina a estudiosa Jane Foster (Natalie Portman). Assim, preso aqui neste planeta, ele vive uma aventura quixotesca hilária de reencontrar seu martelo, e voltar para a sua casa.

Paralelamente, há um complexo Loki (Tom Hiddleston), filho de Laufey, o rei dos guerreiros de gelo. Loki vive uma duplicidade dramática entre os lados definidos: os asgardianos e os esquisitões azulados, que moram num planeta em ruinas, rochoso, inóspito. Loki tem laços fortes com os asgardianos, pois é uma espécie de filho adotado de Odin, o poderoso supremo de Asgard. E fica num dilema difícil: a quem obedecer e honrar? Ou um, ou outro, ou os dois ou nenhum?

O filme tem aquela trama típica de quadrinhos: realidades inimagináveis circunscrita num típico cotidiano normal, onde o real e o surreal coexistem, além daquela dramatização básica com contornos irritantemente urbanos, americanos. Ora, estamos falando de uma criação que contou com a mente criativa do sucesso multimídia em pessoa Stan Lee. Ele é criador do X-Men, Homem Aranha, o Quarteto Fantástico, o Incrível Hulk e o Homem de Ferro. Se em quase todas essas criações, sempre houve o elemento 'sci-fi' para transformar meros humanos em super-heróis, em Thor pelo menos há o caminho inverso: de um ser de forças descomunais vivendo os difíceis limites da carcaça humana (embora Thor ainda tenha uma força humanamente atípica). Mas há ainda os impenetráveis agentes do governo, as falas cheias de termos científicos, dando aquela verossimilhança empolgante de quase todos os seus quadrinhos. E, gente, o filme é produto dos estúdios Marvel!

É correto pensar que a arrogância cômica e carismática de Thor remete em tudo ao clássico Homem de Ferro. Fora que o filme é um esforço em deglutir e reconstruir os grandes clássicos da cultura nerd, sendo obviamente um. Tanto as batalhas monumentais, os cenários lúgubres como a busca pelo martelo (anel?) faz lembrar de modo esgarçado o épico O Senhor dos Anéis, do J.R.R. Tolkien. Dos raios espaciais, ultra-mundos interestelares, dos reinos encapsulados em palácios futurísticos em pompa de Vaticano ou Congresso Romano, essas coisas lembram simultaneamente Star Wars e Star Trek. A queda de Thor à Terra tem um quê de Super-Homem. Os estranhos seres azulados lembram Avatar (o próprio Loki lembra um Jake Sully às avessas - ser ou não ser azulão, eis a questão?), e lembram também os feiosos seres subterrâneos de Tolkien. A dicotomia que padece todos os épicos genéricos infanto-juvenis - entre mundo mágico e real, comunicação a qual se faz por intermédio de portais - não faz do filme Thor uma estranha estrela na constelação onde brilham os famosos Harry Potter, Crônicas de Nárnia, Uma História Sem Fim e Eragon, e um sem-número de plataformas para games. O martelo encravado na cratera tem um quê de Excalibur. E todo o aparato que os cientistas militares fizeram para isolar o martelo, remete à cena clássica de 2001: Uma Odisseia no Espaço. E como todo épico monumental, mesmo com a artificialidade enganosa dos efeitos especiais para telas 3D, faz vassalagem indubitável ao mestre Cecil B. DeMille, comentado recentemente, e ao James Cameron que é, tirando toda a parafernália computadorizada de seu estilo, retrato comercial do gênio de Os Dez Mandamentos.

Em suma, é um filme que sabe muito bem ser pop, ser épico, mostrar grandiosidade usando clichês como tijolinhos: "o protagonista, o antagonista, a perseguição, o romance, e todos aqueles elementos que compõem um bom filme", como diria o animador dos antigos estúdios Disney, Ward Kimball (1914-2002). E constrói um mundo que, dentro da lógica dos filmes comerciais facilmente palatáveis, é genial, é brilhante, é magnífico, ainda que não seja novidade.



Tiros, portais, deuses, monstros, realidades paralelas... love moments. Kenneth Branagh é um hábil contador de histórias na tela grande, que seguiu à risca a cartilha de fazer um blockbuster que seja capaz de deixar qualquer espectador de boca aberta; e que o cara viesse esquecer a mina do lado por algumas horinhas e se deleitar gulosamente com uma mitologia nórdica graciosa, elegante e popificada... ainda que seus sentimentos parecessem governados como um Sonic controlado por uma mão invisível por trás dos fotogramas empolgantes...

O final é feliz, lindo, aliviador, para não fugir do comum, e que promete... uma continuação?

A molecada vai adorar.

Comentários

Postagens mais visitadas