Além da Vida (2010)
Clint, até tu?
Enganam-se quem diz que "Além da Vida" é um filme espírita. E enganam-se mais ainda quem afirma que Clint Eastwood dirigiu um filme "atípico" em sua brilhante carreira de cineasta...
Eu sei que ultimamente, em se tratando de cinema nacional, tornou-se moda filmes de temática espírita. "Chico Xavier" e "Nosso Lar" tiveram expressivo público. Quem lê distraidamente a sinopse de "Além da Vida", pode ser levado a crer que é mais um filme desse naipe. O que não é.
Clin Eastwood escolheu um tema pesado, que envolve as crenças e os temores concernente à morte. Narrando três tramas paralelas, a da vida da jornalista bem-sucedida Marie Lelay (Cecilie de France), dos gêmeos Marcus e Jase (George e Frankie McLaren) e do vidente George Lonegan (Matt Damon). Os três tem algo em comum: de uma maneira ou de outra, lidam com a morte.
George Lonegan é um solteirão solitário, que tem o dom de comunicar-se com os mortos. O drama que Lonegan enfrenta ao tentar abdicar esse dom, para ter uma vida normal, é o que confere na trama uma densidade complexa impagável. "Uma vida centrada na morte não é vida", filosofa Lonegan. No entanto, ele constantemente é assaltado por pessoas desesperadas por uma morte recente, querendo fazer a comunicação que Lonegan prometeu que nunca mais faria. As exceções que ele acaba fazendo tornam-se uma bola de neve, ampliando sobre sua personalidade uma aura que ele a todo custo procura eliminar. Por encarar esse dom como uma maldição que lhe tira a chance de ser comum, normal e feliz, Lonegan exemplifica todo um contrário dos filmes doutrinários, espíritas, cheios de tons pastéis que rolaram nos nossos cinemas ultimamente.
A jornalista Marie Lelay está em férias em um paraíso litorâneo oriental, com o seu namorado. Local errado, hora errada. Foi justamente o advento do tsunami, que destruiu praticamente tudo, que ela tentará enfrentar. Em cenas estonteantes, onde mostram a fúria das águas, Marie Lelay tem uma experiência de quase-morte, sobrevivendo miraculosamente tempos depois.
No entanto, ela não será mais a mesma depois disso. Parece que essa tragédia lhe aguçou uma adormecida sensibilidade, e será por causa dela que Lelay tentará, se não encontrar-se a si própria, pelo menos buscar as respostas.
O caso mais dramático é do menino Marcus, que tem uma certa dependência do seu irmão minutos "mais velho" Jase. A mãe é uma mulher viciada incapaz de criar os filhos. No entanto, quando Jase morre atropelado por um automóvel, Marcus se sente então profundamente abandonado, desamparado. O garoto é o que melhor sintetiza a sensação de desamparo e passos tontos que a morte de um ente querido acarreta. Sem aceitar esse fato, Marcus faz uma verdadeira busca "épica" não só por respostas, mas com a possibilidade de ainda manter contato com o seu irmão, tê-lo novamente junto de si, escutar novamente as palavras de apoio, a tomada de decisões.
O filme não passeia por vertentes religiosas, mas retrata um tema que mesmo jurássico, não caduca jamais: a morte, e o que existe além ou depois dela. Essa experiência sobrenatural que, desafiando a contemporaneidade, ainda possui vários testemunhos no mundo inteiro.
Clint Eastwood é um cineasta interessante, pois seus trabalhos abordam temáticas imprevisíveis. Da xenofobia do velho rabugento de Gran Torino, da filosofia quase Rocky em Invictus ao mistério da morte neste seu mais novo trabalho, Clint na verdade retrata de modo insistente e até de maneira fria as relações humanas dos tempos modernos. Os dramas, os encontros, as perdas, as pessoas. A vida, e as desgraças que nos impelem a crescer.
O tema do filme é a morte, mas, continuando a perspectiva dos seus filmes anteriores, constatamos que a vida sim é quem tem mistérios bem mais nebulosos.
Hereafter, 129 min, 2010
Matt Damon, Cécile de France, George e Frankie McLauren, Thierry Neuvic, Jessica Griffiths
Roteiro: Peter Morgan, direção: Clin Eastwood
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