Jeca Tatu – 50 anos

Desprezado pela Crítica, adorado pelo público

Amacio Mazzaropi (1912-1981) é, sem sombras de dúvida, o maior comediante brasileiro. As razões? Por ser o nome mais bem-sucedido do cinema nacional, por ser um dos poucos humoristas que conseguiram se impor por mais de três longas décadas no gosto popular e por ser o único caso de artista brasileiro que produziu a si mesmo, em matéria de filmes.

Ora, Jeca Tatu é a sua película de 1959. O décimo filme da sua carreira e o segundo filme com o selo da sua produtora PAM Filmes (Produções Amacio Mazzaropi), criada no ano anterior. Com o roteiro e direção conduzidos por Milton Amaral (com argumento do próprio Mazzaropi), Jeca Tatu é uma declarada homenagem ao escritor Monteiro Lobato. Portanto, não é exagero afirmar que estamos falando de um clássico.

Mazzaropi já tinha vivido nas telonas o papel do caipira, em 1953, no filme Candinho. Porém, só foi a partir de Jeca Tatu que Mazzaropi casaria muito bem o seu estilo cômico com o personagem estereótipo concebido por Monteiro Lobato.

O filme começa com a esposa ralhando Jeca, pelo fato de ela estar trabalhando enquanto o marido está a dormir. A cômica preguiça do Jeca é uma constante em todo o filme. Morando em uma choupana paupérrima, Jeca mora com a esposa, suas crianças e a pérola de sua filha, a bela Marina. Dada a sua beleza, Marina se sente constantemente ameaçada pelo capataz da fazenda vizinha, o Vaca-Brava. Este, a todo o custo, e por meio da força e ameaças, quer casar-se com ela. Vaca-Brava faz bem o tipo de vilão dos filmes norte-americanos antigos, principalmente os de faroeste: porte prepotente, ameaçador, o inseparável cigarro e as tragadas cheias do estilo desnecessário da masculinidade dos anos 50. Ele persegue Marina, mas, para seu profundo desagrado e ódio, descobre que ela está apaixonada por Marcos, filho de Giovanni.

Eis aí outro personagem importante. Giovanni é um ganancioso fazendeiro, italiano, vizinho de Jeca Tatu. E, por sinal, detesta o pobre caboclo, e sempre procura de um jeito ou outro, tomar-lhe as terras, além de complicar a vida do Jeca. Dessa maneira, Mazzaropi mostra de forma dramática e sem uma caracterizada postura política os problemas da terra, do camponês oprimido pelo latifundiário. Giovanni não medirá esforços em tomar o rancho do Jeca e avançar cada vez mais as suas cercas. Jeca, por sua vez, se atola mais e mais em dívidas com o português do armazém. E o português, em conluio com o italiano, procura persuadir Jeca em ceder suas terras por “hipoteca” da dívida.

Vale observar que os dois tipos caricatos estrangeiros procuram tomar o que Jeca possuía de mais rico. Se dissermos que aí existe a implícita mensagem do estrangeiro como ladrão das riquezas do povo brasileiro, pode parecer mera especulação, mas é bom lembrar que Mazzaropi sempre teve uma postura um tanto nacionalista no que diz respeito ao cinema, e do cinema nacional forte dentro do mercado cinematográfico brasileiro, além de acreditar que o caipira é uma genuína identidade das raízes tipicamente brasileiras.

O riso em Jeca Tatu caminha de mãos dadas com o drama. Ao mesmo tempo em que o público ri do tratamento cômico e do jeito desengonçado do Jeca, em especial do seu modo de andar sui generis, o público se emociona com as perdas e desgraças que acometem o pobre matuto. Afinal, a maioria dos filmes do “Mazza” faz emergir o riso em cenas de dor e infelicidade. O riso pode partir de tudo, até mesmo da impossibilidade dos personagens em se livrarem de seus próprios problemas.

A incrível capacidade de Mazzaropi em fazer rir é fruto de sua longa experiência no teatro mambembe, no teatro de revista, no circo, no rádio e na televisão. Nos anos 50, o lado burlesco e histriônico do cinema manifestou-se em sua força mais considerável, sendo seus grandes articuladores Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonçalves, Genésio Arruda e o próprio Mazzaropi.

As piadas do filme são muito semelhantes às frases anedóticas dos antigos almanaques de farmácia. E não é sem razão, porque todo o filme foi inspirado não no conto Jeca Tatu (presente no livro Urupês, onde Lobato, com uma mania de grandeza obsessivamente progressista, acusa o pobre Jeca do atraso valparaibano), mas sim no Jeca Tatuzinho (escrito anos depois, como mea-culpa de Lobato, arrependido das acusações endereçadas ao homem do campo). Jeca Tatuzinho era um almanaque publicitário feito para a Indústria Farmacêutica Fontoura nos anos 20 e que circulou por longos anos, onde o personagem nada mais era que um caipira pedagógico, que veiculava os produtos do laboratório e abordava temas domésticos, como noções de higiene pessoal, etc.

Em seus 95 minutos, Jeca Tatu é um filme singelo e tocante, pecando porém no uso constante dos clichês do circo pastelão. O catolicismo rústico alia-se a uma índole conformista do personagem, afastando da película qualquer menção ao camponês revolucionário e afastando do personagem qualquer força moral além de sua simplicidade e honestidade. Em suma, o cinema de Mazzaropi é reacionário de certa forma, já que defende a vida no campo em detrimento com a vida da cidade. Por essa razão, Mazzaropi não teve boa aceitação por parte da intelectualidade brasileira daquele tempo, porque foi justamente a época que predominou a política desenvolvimentista, que começou com o governo de Juscelino Kubitschek e permaneceu indelével por muitos anos na sociedade brasileira. Naquele tempo, se discutia qual seria a identidade nacional, enquanto o progresso era o tom mais forte e emotivo que se tinha no momento. Assim, o homem do campo era visto como o atraso, como um mal a ser extirpado; só a população citadina seria a representação do Brasil-moderno, do Brasil-democrático.

Jeca Tatu foi lançado em pleno corre-corre urbano e desenvolvimentista da construção de Brasília, para ser um filme cheio de simpatia quase árcade ao caipira, ao matuto paulista daqueles dias. Como estilo de época, os números musicais não poderiam faltar, o que aliás, marcam presença de peso com os cantores Agnaldo Rayol, Lana Bittencourt, Tony e Celly Campello. O próprio Mazzaropi também canta duas canções em pontos interessantes da trama: o primeiro ponto é quando ele e sua família partem sem destino em um carro de bois, após ter sua choupana incendiada pela maldade de Giovanni – maldade essa conduzida pelas artimanhas de Vaca-Brava. Já o segundo ponto é próximo ao desfecho, quando o Jeca torna-se “coroné”...

Por fim, convém salientar que foi com Jeca Tatu que Mazzaropi abriu as portas para que muitos filmes seus compusessem o que futuramente chamar-se-ia de “cinema caipira”. Com um humor visceralmente pessoal, reproduziu de modo insistente - e à sua maneira - a vida rural no cinema brasileiro.

De fato, é dele o cinema mais popular feito nestes solos.

Comentários

Lipe disse…
nemli nemleray!


muito comprido...resume pra mim ?!

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