Uma história de Jozelone


Sou viciado em pastel. Não me é problema algum parar o que estou fazendo, ir até à pastelaria a qual tenho confiança, e disparar um de frango com catupiry no meu paladar. E acompanhado com a Negona Internacional, meu caro, fico satisfeito. Sorrio feito um bêbado, canto feito um apaixonado, serei fresco feito essas frescuras que te conto.


Agora mesmo estou arrotando uma de quatro-queijos. Porque hoje amanheci resoluto, como amanheço todos os dias, dizendo: "Hoje pego leve com os pastéis". Ergo a cabeça, cheio de fé. "Hoje eu não como o DANADO". Mas as horas passam, dá aquela fomezinha no canto do estômago. Marmita ou prato feito parece muito; e deixar de comer, pega mal. Em minha mente, lidando com a balança, a razão dá crédito a um pastelão esperto, meu compadre.


Joana pegou no meu pé. Queria falar comigo, despejar sei-lá-o-quê nas minhas orelhas. E ela foi a causa da minha decaída. Hoje, foi ela que despertou meu vício, justo hoje que eu estava determinado a largar o safado do pastel que tanto me persegue.


- Me vê um calabresa, dois de palmito...


(Compraria o de Bauru?).


Ela quer falar. E eu lembro que ela está ali presente. Dou um beijão estalado na Negona Internacional, com prazer, com volúpia. Digo:


- Fala, Joana, o que quer?


Joana é uma amiga carioca, magrinha, pequenininha. Tem aquele linguajar gracioso, e ela é linda, tão linda como um pastel de brigadeiro salpicado com açúcar e com canela.


- Zelone, faz tempo que queria te falar um negócio.


- QUEM PEDIU O CALABRESA?


Epa, fui eu. Me levanto. Minhas mãos vão ao pastelão magnífico. Encho a boca com umas seis mordidas. Praguejo porque rodelas de calabresa caem na minha camisa nova.


- Pode falar, Joana - eu disse, me limpando - Aconteceu uma desgraça aqui, mas pode falar.


- Somos amigos já por um bom tempo, e nesse...


- DOIS DE PALMITO!


Epa, são os meus. Me levanto. Sussurro com classe no ouvido do cara do balcão.


- Me vê um de Bauru, e outro de Quatro Queijos. Para viagem.


Mordo o de palmito. Mas lembro que o de calabresa não acabou.


- Somos amigos faz tempão - retorqui, de boca cheia - Uns seis anos, acho. Por quê? Vai fazer uma festa?


Ela sorriu.


- Não, eu queria dizer que...


- Caramba, Joana! - gritei - Não vai pedir nenhum pastel? Me dá agonia não ver você com um pastelzinho sequer. Está sem grana? Eu te pago, depois a gente acerta as contas.


Ela protestou com delicadeza. Joguei o outro de palmito na frente dela. E me acabo na mostarda.


- Então... Onde eu estava... Ah, sim, Jozelone... Como ia falando...


O cara gritou o de Bauru. Peguei, mas não voltei o mesmo, nem me sentei como antes.


Eu estava aéreo, filosófico, pensativo.


-Joaninha... Vê que um pastel quente tem toda a diferença. O sabor é vivo, o sabor anima. O calor no pastel é como a alma na pessoa. É como a gasolina no automóvel. Já reparou? Faz uma diferença extraordinária!


Aí é que Joana fechou a cara. Jogou o pastel pobremente beliscado no centro da mesa engordurada. Encostou a bolsa maluca mais no corpinho bem desenhado feito um risolis das lanchonetes árabes. Deu meia volta, e saiu faiscando pela venta...


O que será que aconteceu com ela, caramba? Como o meu pastel de Bauru para refletir. Bebo a Negona Internacional num só trago. Joana, Joana...


A caminho de casa, devoro o meu de Quatro Queijos. O que vem depois foi uma azia desgraçada. E a cabeça pesava. O que será que fez Joana ficar tão brava? Ia ligar para ela depois. (Ou ligaria pra pizzaria?).


A caminho de casa caiu uma chuva de dar medo. As gotas chiavam no mato e nas telhas como um panelão fumegando de óleo fervente. Apressei meus passos para a casa, sem sucesso. Um gordão me ultrapassou fácil, e sorrindo, e ainda segurando um guarda-chuva numa mão e uma caixa de televisão (com uma televisão dentro, detalhe óbvio!) nas costas. Era como se me dissesse: "Filhão, está mais gordo que nós.”.


Amanhã eu paro de comer pastel.

Comentários

Lipe disse…
u ki sera ki shoanna keria falar? O_o aja pastér hein ?

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