Sombra

Alguém,
perdido na antecâmara do cemitério de seus sonhos,
na Ladeira da Angústia clama para a Humanidade
como se em cada sílaba de seu brado
pudesse entender, ainda que pouco,
o mistério que se encerra na própria alma

I

Afastem-se de mim, todos vocês!
Não quero que ninguém me esclareça
Nem que vejam como quadro o inferno que existe em mim!
Não, esqueça, ninguém poderá me ajudar.
Não consigo ver nada de bom nos olhos que me vigiam;
Se mãos tentam me afagar
São como mãos que tentam me estrangular.

Será que...

Ontem olhei as cinzas do meu passado
- O lixo que se fez fênix -
E vergões brincaram no céu de meus sonhos e no meu corpo.
Não consigo ter amigos.
Não consigo ser feliz.
Abro a minha janela,
Lá fora tudo me é estranho.
E a liberdade da estrada que vejo
É fascinante, porém não tenho segurança.
A minha cadeia é o melhor que eu conheço.

Afastem-se de mim!
Não quero conselhos nem palavras de religião.
Firme estou em minhas caóticas convicções...
Mas...
...Meus medos tentam romper meus diques,
Mas reprimo
Não quero que os de fora me conheçam melhor,
Conheçam a minha fraqueza, meu eu débil, a minha dor...

NÃO!
Amigos! Saiam da minha presença!
Seus rostos risonhos precisam se isentar
Dos meus sofrimentos,
Vocês não precisam saber que eles existem!
Assim me farei bem melhor
E tentarei jogar uma cor onde só o preto impera.

Pois no penhasco do vazio em que me encontro
Tentei me apegar a coisas e a pessoas que imaginei tão sólidas,
Abracei o amparo do vento
Vi quem amo ser enganado e destruído.

Que mundo é esse o de vocês?
Ele queimou minhas ilusões infantis.
Ele não enxugou as minhas lágrimas, só as fez aumentar.
Ele me cuspiu, ele me pisou.

Tento sarar minhas feridas
Aqui no meu B612 amargo que tenta adoçar.
E com minha rosa em frangalhos
Vejo esse seu mundo mofado e carente de luz...

Não me peçam para nele voltar.

II

Afastem-se de mim!
Tento alargar os dias da minha infância
Procuro aquilo que tiraram de mim
Pois como um cego que procura seu cão guia eu procuro
E tenho medo de ficar só.

Me vejo em um labirinto
Onde a constância de meus pensamentos inconstantes
São espelhos paralelos perante minha virtude.
Não conheço o amor.
Não aprendi a amar
Pois só o ódio existe no meu cardíaco dicionário.

Por favor, afastem-se de mim!
Não sabe que a sua felicidade
Me afronta e me corrói?
Me sinto manteiga em seu ácido potente.
Prouvera a Deus que eu pudesse
Esboçar o seu sorriso sem ter sombra de culpa.
Porém a minha enxaqueca bipolar e lágrimas caladas
Me encontram quando cruzo a entrada de meu inferno particular.

III

Neste meu principado
Eu desconfio de quem se aproxima de mim.
Não sei quando estão mentindo
E minto para poder me preservar
Do mundo
Do fogo
Da desgraça!

Amigos!
Que perigo e que poesia moram neles!
Fiquem longe de mim, eu imploro,
Idealizados são melhores que carne e osso
E perto de mim se faz forte a minha nudez.

Não,
Não quero me perder nesse mundo mau.
Gasto as minhas forças, os meus talentos
Quero construir o meu castelo forte
Que os meus sonhos ditam em um instante florido.

Até porque
No meu solitário universo
Me sinto quente sob este teto de zinco
E lá fora chove sempre.

Sei que se a minha rosa que amo morrer
Eu não sei mais para onde ir
Nem o que fazer nessa minha vida sem sorrisos.
Não tenho pernas próprias,
Minha personalidade há tempo foi lançada à rua
Lançada aos pombos e às galinhas tal qual farelo inútil.
Minha tática sempre foi fugir...

Eu não sei para onde irei.
Arrancaram-me a poesia da vida,
Desde cedo me lançaram na rua da amargura.

E vocês ainda me vêm com conselhos?

Afastem-se de mim!
Não os odeio, talvez vocês me odiarão!
Não mantenham mais contato comigo
É bem melhor assim!
Não tenho mais forças para fazer o meu destino
E se Deus escreveu esta página triste
Contradição é no Seu histórico de amor.

Estou em confusão.
Sinto-me como moeda rolando pelas sarjetas
Em busca das minhas erradias flores brancas
Em busca da minha pureza que temo perder.
E lembro que a pessoa que esperei um abraço, um cartão
Deformou minha vida pela raiz.

Afastem-se, amigos, eu peço.
Deixe-me só para curtir as minhas maldições.
Se me virem na rua, finjam que não me conheçam.
Queimem as nossas fotos
Incendeiem as nossas cartas
Sumam com meu número telefônico
Rasguem do mapa o meu endereço.
Me deletem, me rasurem de suas vidas,
Pois como pedras que se perdem
E se acham depois pelo calculismo do acaso
Minha vida esbarrará com outras,
Porém um instante será pouco para me descobrir.

Vocês sempre viverão comigo.
Fiquem com os anjos
Pois o meu demônio doméstico é contra a minha inteira libertação.

Partindo vou
Para minha meta distante
A vida numa casa
Com cinco dedos de liberdade e família.
Que os espíritos de amigos vivos morem comigo.
E nas minhas lembranças eternizem os seus conselhos.

Em mim há uma pálida esperança
Que não morre e voa nesse céu azul de contraste.
Afastem-se de mim, amigos,
Será bem melhor para todos vocês!
Pois aqui fico como onda
Clamo à minha rosa uma só palavra de conforto
Pois a solidão tenta entrar ladrando em meu quintal.

Meu nome é Nada.
Lá fora palhaços me amedrontam.
Pela noite naufrago em mim mesmo.
E fujo do mundo
Para encontrar o meu lindo conto de fadas.

Comentários

Anônimo disse…
Cara, acho que seu texto está bem "completo", digamos assim, e bastante próximo da realidade que quis retratar, o que conseguiu desde com palavras bem selecionadas e até mesmo com os recursos poéticos complexos em figuras de linguagem (bem apropriadas) e o tom de imploração frágil, de auto-comiseração, que conheço bem sobre o assunto. Meus parabéns! Poucos conseguem expressar tanto!
Lipe disse…
quem disse isso ai em cima... será que sei quem é?

mas eu só vim para preguntá... donde vem tanta inspiração aiai ...achei bonito.. fernando vc esta até parecendo um escritor U_U

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