Jogos Vorazes: A Esperança – O Final (2015)

Ritmo irregular, final chocho e trama óbvia prejudicam o desfecho da saga

Apesar de Hollywood ter alergia a pontos finais – e nunca deixar em paz o término das histórias –, chegamos ao último capítulo de “Jogos Vorazes”.

“Jogos Vorazes” tornou-se numa coqueluche adolescente principalmente após o desfecho das sagas “Harry Potter” e “Crepúsculo”, tanto em livros como nos cinemas.

Suzanne Collins, a autora, abriu caminho para um filão na literatura infanto-juvenil. Tanto é que obras derivadas – e adaptadas ao cinema – como as séries Maze Runner (James Dashner) e Divergente (Veronica Roth) também fizeram relativo sucesso.

A história futurística, distópica, mostrando uma heroína hesitante em um país ditatorial, foi capaz de elevar em algum nível as discussões sem deixar de ser um best-seller e um blockbuster. É claro que as concessões minimizam o alcance das abordagens. Mas, mesmo assim, é um feito e tanto.

TELEVISÃO

Dentre as inúmeras e proveitosas leituras que a saga literária de Suzanne Collins oferece, prefiro me ater àquela que trata especificamente sobre o poder da televisão.

É por ela que a Capital, sob o comando do desprezível Presidente Snow (Donald Sutherland), domina os distritos; e, em plano ideológico oposto, é através da TV que Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) deflagra a revolução.

De início, “Jogos Vorazes” critica a “cultura” dos reality shows, dos programas que exploram o sangue e a violência como impulsionadores nos índices de audiência. Depois, a crítica vai deixando espaço para o retrato do poder incrível que a TV exerce sobre os ânimos das massas, para o bem ou para o mal. Para Collins, a televisão tem uma inequívoca força política.

Mais do que discutir a guerra, a segregação social, as insurreições populares e regimes totalitaristas, “Jogos Vorazes” é didático em demonstrar a TV como instrumento poderoso para a propaganda e o espetáculo.

É interessante notar que a escritora Suzanne Collins, por muitos anos, foi roteirista de programas infantis no canal Nickelodeon.

FINAL CHOCHO

Mas o que vemos neste “apoteótico” final tão aguardado? Um filme um tanto insosso, essa é a verdade. Embora haja ótimos momentos de ação e tensão, o excesso de explicações e personagens desperdiçadas – algo comum nos desfechos de adaptações de sagas literárias – torna o filme bastante arrastado.

Há gravidade, solenidade, com raríssimas falas e cenas de humor, atomizadas aqui e acolá – e invariavelmente com os personagens Haymitch (Harrelson) e Effie (Banks).

O filme é denso, sem espaço para o sentimentalismo. Snow mostra a sua cara, e – vejam só! – Coin (Julianne Moore), a líder da resistência, também.

O final da guerra é chocho, fraco, até certo ponto previsível, mas tem lá a sua importância simbólica. O filme entrega os pontos desde o início, o diretor Francis Lawrence não trabalha em nada as sutilezas, as nuanças, o degradê. Tanto Francis Lawrence quanto os roteiristas Peter Craig (Atração Perigosa) e Danny Strong (O Mordomo da Casa Branca) não conseguem escapar do esquematismo de Suzanne Collins.

CONSERVADORISMO?

Sem contar o “epílogo” bastante questionável, embora mostre o que desde o início já se sabia: que Katniss é puramente família.

Ao mostrar Katniss, a antes impetuosa e indócil adolescente – a “garota em chamas” – curtindo a paz do pós-guerra no conforto verdejante do lar, casada com Peeta (Josh Hutcherson), linda e maternal, com duas crianças...

O final de Katniss é conservador. A garota passou praticamente a saga inteira dividida entre dois galãs e os ideais antagônicos que eles, de certa forma, representavam. Peeta (Hutcherson), o garoto caseiro, pacato, sensível e Gale (Hemsworth), o garoto “do mato”, indisciplinado, de certa forma brutalizado.

Na primeira parte, Peeta é torturado pelos soldados da Capital, e se torna uma pessoa mentalmente instável, com repentinos surtos de loucura. Agora, ele ainda é uma pessoa perturbada, mas se esforça em se restabelecer ao lado de Katniss.

Gale ainda está apaixonado por Katniss, e está cada vez mais se envolvendo com a resistência. E durante o filme todo, vemos Katniss distribuir beijos mornos, num triângulo amoroso fraco e sem sal, tão apagados perante um mundo feérico, cinzento e perturbador.

Os três são muito solenes para tratar dos próprios sentimentos, em um momento em que seria mais lógico agirem com certa urgência, afinal, podem morrer a qualquer momento.
Mas, aí, uma atitude de Gale deixa o caminho livre para Peeta, que, inexplicavelmente, se restabelece rápido dos surtos.

No “epílogo”, vemos que Katniss se transforma justamente naquilo que, lá atrás, no primeiro episódio, ela não queria para si. Na terna e amorosa mãe de família. Casada com um homem caseiro, sensível, bom pai, bom marido... que, como ela, sofreu na pele os horrores da guerra.

Como se já não bastasse a decepção que foi o final da guerra, o “epílogo” tenta estender essa sensação por mais alguns minutos. Os minutos finais não fazem jus ao pendor para o espetáculo que havia desde o primeiro filme. Ao contrário do “Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1” que tem um final perturbador e sensacional, a “Parte 2” deixa no público uma sensação de vazio.

COSTURAS À MOSTRA

Francis Lawrence e sua dupla de roteiristas, como já falamos, não consegue escapar do esquematismo da autora. Vemos no filme técnicas manipulativas manjadas, um maniqueísmo explícito e quadrado, uma obviedade, onde muitos dos futuros eventos são facilmente antevistos.

Com um ritmo irregular, o filme salta bruscamente do andamento arrastado do início para um corre-corre alucinante e caótico. O mise-en-scène é fraco, só se salvando o excepcional talento e carisma de Jennifer Lawrence. Ah, e claro, o ótimo Philip Seymour Hoffman, morto ano passado. Embora, em sua última cena, sentimos que alguma coisa está faltando.

Entretanto, é Jennifer quem carrega praticamente sozinha o filme nas costas. Ela confere substância e profundidade à personagem.

Agora que a saga “Jogos Vorazes” terminou – por enquanto, visto que Hollywood não conhece pontos finais –, será interessante acompanhar a carreira de Jennifer Lawrence em papéis mais complexos daqui em diante, que façam jus ao seu talento. Com certeza, teremos grandes surpresas.

JOGOS VORAZES: A ESPERANÇA (FINAL)
(The Hunger Games: Mockingjay - Part 2)
DIREÇÃO Francis Lawrence
ELENCO Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Donald Sutherland e Philip Seymour Hoffman.
PRODUÇÃO (EUA, 2015, 137 min., 14 anos)

AVALIAÇÃO n (regular)

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