Bonito, Lindo e Joiado (1992)
Como
se faz um gênio?
Na
nossa música, parece que nós temos alguma queda por letras incompreensíveis,
herméticas. Caetano Veloso cantou: “Verdes
mães / Cavalinho de flecha / Eu quero, eu quero / O enho
tem balangandãs / Sou um mulato nato / No sentido lato / Mulato
democrático do litoral” (Araçá Azul, 1973). Por sua vez, Djavan
entoou: “Açaí, guardiã / Zum de
besouro um ímã /Branca é a tez da manhã” (Oceano, 1989).
Não
é de graça que Falcão, em seu trabalho de estreia, tire um pouco o sarro dessa “necessidade
artística” de parecer labiríntico, tortuoso, complicado. Descambando, é claro,
para o humor. Um humor chulo, escatológico, surrealista, mas pontuado com
alguma crítica social.
Em
matéria de espírito escatológico, Falcão é mais Rabelais do que Sade; seu
instrumental é quase que totalmente Reginaldo Rossi, modernizado aos acordes do
seu tempo. Talvez seja difícil entender a música cômica dos anos 1990 se não
falássemos de Falcão. Ele foi uma espécie de porta de entrada para que álbuns
como “Mamonas Assassinas” (1995) e “Tiririca” (1996) fizessem o sucesso que
fizeram.
Falcão
se deleita com o nonsense, do tipo: “Ela
era gordinha, magrinha, loirinha, moreninha, bonitinha, feinha / E não
gostava de mim” (O amor que antes de ser já era).
Aproveitando
a ambiguidade que há em cantar sob a chancela do humor, Falcão parece criticar
instituições como Caixa e FMI, como nas letras: “Financiamento da Caixa, e sem nenhum trabalho / Siga o rumo da
venta, ou então pegue um atalho / E você chegará à casa do caralho”
(Oportunidade Única); “Quero deixar
registrada minha gratidão / A essa grande organização denominada FMI
/ Composta de homens íntegros e justiceiros / Que em matéria de dinheiro
/ É só quem sabe administrar” (Sou mais no tempo do Figueiredo).
Poderíamos
chamar o Falcão da principal voz musicalmente falando desse humor nos tempos do
Collor. Se abandonarmos os preconceitos musicais e encararmos o “brega” como
uma realidade em nosso cenário fonográfico, um gênero musical com uma linguagem
estética bem própria, o trabalho de Falcão brilha pela irreverência e
criatividade. Quando muitos dos atuais críticos musicais acreditam que haja mais
espírito de contestação no funk carioca
do que no rock nacional, há mais de
vinte anos Falcão provava que a verdadeira pulsão criativa da nossa música se
esconde nos ritmos marginalizados.
“Eu sei que a burguesia fede
/ Mas tem dinheiro pra comprar perfume / E além do mais o high society
/ Leva chifre e não tem ciúme / Eu sou "in", não sou
"out" - eu sou VIP” (Um bodegueiro da
FIEC)
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