La Teta Asustada (2009)



Diretamente do Peru! O que é de se admirar.

"La Teta Asustada" é o segundo longa de Claudia Llosa. Aqui no Brasil recebeu um título controverso. Há quem chame de "O leite amargurado" ou "O leite da mágoa", ou mesmo mantenha o título original em espanhol. O título (um tanto exótico e chamativo) se refere a um mito dos Andes, o qual toda a mulher estuprada durante a violência política do Peru transmitia o medo para os filhos ao dar-lhes o seio para mamar. Partindo desta premissa, mergulhamos por completo na história de Fausta (Magaly Soler), jovem que sofre dessa estranha moléstia. Sua luta começa quando sua mãe, estuprada no passado, falece. Fausta precisa atender ao pedido da mãe de ser enterrada em sua terra natal. Como não tem dinheiro, ela precisa trabalhar e, para trabalhar, ela precisa lutar contra os seus próprios medos. E não é só.

O medo de Fausta é tamanho que ela sofre com uma inflamação nas genitais. Seu medo (herdado de sua mãe) de ser estuprada a fez enfiar uma batata na vagina para impedir qualquer penetração. Como disse muito bem a diretora: "A batata é um tampão, ejetor de qualquer objeto externo. No Peru, a batata tem muitas conotações: é a raiz, a fertilidade, a tradição, o que somos, essa carga do passado, essa ferida, o trauma que queremos esconder".

Acompanhando instante a instante a vida de Fausta, conseguimos perceber sua aversão a homens. Suas relações sociais praticamente não existem. Ela possui apenas um tio, mas ele é como se fosse um estranho para ela. Em contrapartida, vemos retratados no filme vários casamentos sendo feitos, os elementos culturais do povo peruano presentes na cerimônia. O tom festivo e folclórico das festas tem praticamente a mesma origem do medo de Fausta. O passado negro. Enquanto Fausta personifica o resultado, a marca do medo, as festas parecem significar uma tentativa de superação. Em outras palavras, vemos um país reprimido, no qual a população expressa suas feridas através do inconsciente: festas, tradições e superstições.

"Minha pretensão era nos expor sem tabus, falar de tradições que não querem aparecer ante a modernidade. Perdemos nossa memória coletiva, mas nossa ferida ainda existe, e quer sair à luz", disse na coletiva concedida em Berlim.

Essa ferida é, sem sombras de dúvida, às turbulências políticas vividas pela sociedade peruana, em especial aos ataques terroristas arquitetados pelo "Sendero Luminoso" entre as décadas de 60 e 80. O filme, no entanto, não pretende e nem quer dar um enfoque político ao Peru dos dias atuais. O passado porém está presente na vida não só da protagonista mas de todos os personagens. E isso parece desgeografizar o enredo, torná-lo universal, e nos simpatizamos com uma personagem cheia de medos, nascida no seio de uma convulsão social.

"Fiquei sabendo desse mito da 'teta assustada' graças a um livro de relatos publicado por uma universidade nos Estados Unidos sobre as mulheres violadas durante a barbárie do terrorismo peruano. Essa crença se transmitia de geração para geração e a cura se dava mediante rituais xamanistas", explicou a diretora.

O tema é áspero. Mas a delicadeza com que a história é conduzida e a sensibilidade da fotografia suavizam a aspereza do tema mas não diminuem em nenhum instante a dramaticidade. Sem sombras de dúvida, é um filme emocionante, cujas imagens ainda ficam marcadas na mente depois do final. Creio que foi por causa dessa sensibilidade ímpar que o filme ganhou o Urso de Ouro de melhor filme, no Festival de Berlim em 2009, além de ter uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. É de fato uma vitória. Afinal, o cinema peruano nunca teve grande visibilidade.

"É um prêmio muito importante para nós porque vai abrir as portas para o cinema peruano", disse ela, na entrevista após a cerimônia de premiação do Urso de Ouro. "Precisamos muito disso."

Claudia Llosa é uma cineasta jovem, de 32 anos de idade, filha do renomado escritor Mario Vargas Llosa. Esse seu trabalho sem sombras de dúvida foi marcante. Metáfora do rompimento? Bem, se nos perdemos diante dos simbolismos, nos encontramos com a repleta humanidade de Fausta. E aprendemos.

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