Abram as cortinas!

Há poucos anos eu e alguns amigos resolvemos apostar no teatro evangélico. Amigos de igreja que, como eu, tinham alguma queda por arte. Aprendi muito como ator e roteirista nos grupos teatrais do ensino médio, bem como com outros atores, roteiristas e até diretores estudantis. E este aprendizado eu penso até hoje em injetar no teatro evangélico, que é um tipo muito bacana de trabalhar. Embora tenha participado de poucas peças evangélicas, assisti a uma quantidade considerável, e li também os roteiros que circulam amadoristicamente pela Internet.


Sempre me inquietou o sensacionalismo que é comum nas peças evangélicas. Aquela linguagem apelativa, de ameaçar os fogos do inferno quem faz veladamente algo moralmente condenável. Isso sempre achei desagradável, pior quando esse tipo de discurso é dirigido para a plateia. E outra coisa que comumente vem atrelada a isso, e é de igual modo acintoso, é o superdimensionamento do demônio nos enredos.


Sentiram-se ofendidos meus amigos quando lhes falei que, nas peças evangélicas, os astros são os demônios. Na Igreja Universal, há a já clássica peça "Quanto Vale a Sua Alma?", que trabalha justamente dessa forma. A trama é um leilão, onde uma alma é a mercadoria, e vários demônios, simbolizando cada um deles um pecado capital, dão os seus lances. Os lances nada mais são que suas táticas para destruir aquela alma.


Propus caminharmos por trilhas diferentes. Queria minimizar o maniqueísmo, que nas peças muito se parece com o dos antigos desenhos Disney. Ao invés de focar a peça na esmagadora luta espiritual de anjos e demônios, queria uma peça onde os personagens ficassem em choque com sua própria consciência, enfim, seu próprio arsenal de conceitos e valores.


O público tem que se identificar com os personagens; vibrar com os problemas e soluções apresentados. Daí venho com um conceito controvertido em teatro evangélico. O conceito da subjetividade.


Penso que as peças que geralmente fazemos nas nossas igrejas até hoje são concebidas buscando trilhar uma inquestionável objetividade. Enchem de anjos e de capetas, para mostrar um recorte espiritual dos problemas humanos. As peças assim tornam-se esquemáticas, os personagens não caminham. Eles são apenas instrumentos das entidades espirituais. Não há força moral nesses personagens humanos, não há uma autonomia ao qual pudemos chamar de livre-arbítrio.


Meus amigos até pensam que haja arrogância em mim. Ou que eu faço parte de um tipo abstrato de gente, que não possui o pé no chão. Ou, pior, que apresento um teatro cheio de ideias rebeldes. É uma dureza convencê-los, mas acho que aos poucos estou obtendo êxito. Sim, porque evangélico ou não, a pessoa quer assistir a uma boa história. E aqueles elementos que compõem um bom filme, por que não colocá-los no teatro evangélico?


É necessário lirismo. Para atingir o novato. Sei perfeitamente que qualquer peça evangélica tem sua razão de existir na evangelização. Ela funciona como espécie de aprendizado, aula, pregação. Uma espécie de auxiliar do ministro da congregação. Ou seja, ela é comunicação, defende uma ideologia religiosa, mas propõe estilo, propõe imagem, foca valores. O teatro evangélico não é questionador, e sim, reafirmador. O que em tese deveria acontecer - conforme acredito - é uma peça que reafirme valores bíblicos bem mais profundos que as flutuações teológicas ou ideologias denominacionais isoladas. Ou, num estágio mais amplo, uma peça que faça uma releitura do que é fazer parte dessa complexa Obra de Deus.


Foi basicamente com essas ideias que eu e um grupo de amigos partimos para novos horizontes. E não podemos se sentir revolucionários com isso, já que as ideias que propomos foram elaboradas para o teatro convencional há muito tempo atrás. Nada há de novo. No entanto, o nosso sonho pode ser tomado como bobo, de fazer das peças evangélicas histórias inesquecíveis e instrumentos poderosos para a reflexão e até mesmo persuasão.


Buscamos apenas um nível de arte. Não queremos mais nada no teatro evangélico do que simplesmente uma coisa gostosa de se fazer e de se assistir. E que edifique a comunidade.

Comentários

Anônimo disse…
Você propõe um teatro revolucionário na forma e conservador no conteúdo.

Conservador porque reafirma os valores cristãos.

Saí de cima do muro...rsrsrsrs... E citando Manoel Bandeira

" Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente (...)
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação."

Anderson

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