Bacurau (2019)

Não dá para negar: Kleber Mendonça Filho é o nome desse cinema brasileiro contemporâneo que se quer crítico, inventivo e palatável.

Bacurau (co-dirigido com Juliano Dornelles) atingiu espontaneamente a proeza de ocupar o posto central das conversas nas rodas em que a cultura nacional tem algum espaço. A tal ponto que muitas pessoas correram para o cinema. Já estava chato ficar de fora do debate.

Eu resisti. Fui ver o filme já em seus últimos dias de cartaz. O hype estava baixo, a onda era o Curinga (2019). Por isso, chego atrasado ao debate, quando a mesa já está repleta de copos vazios, os guardanapos estão sujos e as travessas amontoadas com os restos das porções.

Mas nunca é tarde, penso. Sempre é tempo de falar sobre as coisas nossas. Não é pouco um filme brasileiro catalisar as atenções e atravessar o bate-papo. Ainda mais em tempos nublados de agora, em que o País assiste o desmonte da cultura e da educação. Mas o nosso cinema resiste, eis a prova.

Bacurau entra no time de filmes dessa leva recente que, de tempos em tempos, propõem uma espécie de retrato 3 por 4 da realidade brasileira. Estou agora lembrando de filmes como Casa Grande (2014), Que Horas Ela Volta (2015) e, do mesmo diretor, Aquarius (2016).

Muita gente viu em Bacurau elementos dos filmes de gênero, batiam nesta tecla como se se tratasse de um achado. É certo que estamos diante de um filme envolvente, que tem tensão. O filme nos leva com mão competente para o final catártico. Tem uma feitura de filme-pipoca de televisão aberta – essa nossa primeira escola de cinema – que ajuda a amplificar o nosso envolvimento. É um filme que mira círculos muito maiores que o dos cinéfilos. Sim, mas que nos oferece mais coisas.

Há alguns pontos que me incomodam. Questão de gosto, é claro. Desde O Som ao Redor (2013) e de um modo acentuado em Aquarius, filmes do mesmo diretor, que deparo com tempos mortos, falas vazias, fillers. Em um determinado momento, parece preguiça de roteiro; noutro, parece um tipo de afetação promovida a estética pessoal. Talvez sejam excessos de rigor em meu olhar diante das marcas estilísticas, próprias, do cineasta.

Para ser sincero, já cansei de ouvir essa MPB dos anos 1960 e 1970 na trilha sonora de nossos filmes. Poxa, nós não criamos mais nada de bom depois disso?

A história, num bom sentido, é delirante. Num futuro próximo, o povo unido, sofrido e tolerante de uma cidadezinha perdida no sertão brasileiro, Bacurau, lamenta a perda da matriarca, Carmelita (Lia de Itamaracá). Poucos dias depois, o lugarejo some do mapa e ocorrem mortes inexplicáveis.

As imagens têm uma beleza estranha. Há cenas que têm um humor esquisito, um lirismo torto. Não sei explicar. A gente frui como diante de um grande filme, mas com desconforto, estranhamento. A narrativa parece oscilar, se rarefaz, ou simplesmente abre mão de tentar nos comunicar – ou ainda, quer nos acessar por vias outras, baixas, cinestésicas, irracionais.

E um bom filme de gênero é isso, né? Uma experiência mais física que mental.

Os aplausos do público, no final da projeção, me assustaram. Não porque isso me soa desnecessário e que o filme, em certo sentido, tem essa coisa de expiação dos sentimentos. Mas sim porque a mensagem que fica é violenta pra cacete, mesmo criticando a cultura das armas. A gratuidade do absurdo, essa violência que não se explica. As coisas que acontecem (e a maneira com que os personagens e nós lidamos com essas coisas) escapam muito do domínio das ideias.

Enfim. É um filme, sem dúvida, que merece mais de uma olhada.

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