Paulo e Estêvão (1941)

A maior injustiça é rotular Paulo e Estêvão de "romance espírita"

Chico Xavier — ou Emmanuel — é realmente um escritor extraordinário. Tudo bem que o livro é escrito com mão pesadíssima, com um beletrismo que torna a prosa muito envelhecida e gordurosa.

"Outrossim", "assaz", "báratro" e "imbele" foram algumas das centenas de palavras que me obrigaram peregrinar em diversos dicionários pesadões.

A dicção arcaizante e dura surpreendeu muitas vezes com momentos de poesia e luminosidade.

O texto funcionaria melhor se eliminasse boa parte dos adjetivos, dos advérbios, das palavras pomposas, se cortasse muitas repetições. Já entendi que muitos choram, que a Igreja Primitiva trabalha com amor, que muitos ficam "vivamente impressionados" quando Paulo prega, etc., etc.

O Apóstolo Paulo que encontro neste livro é o mesmo que sempre imaginei nas leituras bíblicas da adolescência — um pensador rigoroso, de uma franqueza quase rude, um raciocínio tortuoso às vezes, uma fibra moral indestrutível e uma coerência lógica de pedra...

É um romance, por mais que o espírito Emmanuel insista que ele seja um relato apenas. O artístico se sobressai ao histórico e ao religioso, mesmo que essa frase seja passível de controvérsia.

Os personagens podem lá ser muito lineares e previsíveis, mas caminham vívidos nas páginas. O olhar lírico e parcial do narrador sempre intruso — que ama mais declarar as ações do que mostrar — engessa tudo num único ponto de vista...

Todavia, cada cena, cada momento, é tão plausível e verossímil, que concluo: se isso não for verdade, é muito bem inventado.

A obra tem alguns problemas de ritmo. A primeira parte do livro é muito empolgante, mas a segunda parte começa se arrastando.

A conversão de Saulo se torna em algo anticlimático, como se de repente ele virasse apenas uma presença burocrática na história. No entanto, nas cem últimas páginas o texto ganha energia, há movimento, a leitura prende o leitor, céus, você está emocionado. À essa altura, a mão pesada do narrador já não é um problema, as ressalvas aqui relatadas perdem importância. A história brilha e cresce. Tudo flui.

Se o livro tem uma inequívoca pretensão evangelizadora, se certos detalhes familiares à doutrina espírita seja salpicada com discrição aqui e acolá durante a leitura, o que se sobressai é uma belíssima história de amor, de fé, de sacrifício e de amizade.

Isso não é pouco.

(MUITO BOM)

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