Alice Através do Espelho (2016)

A tática de Hollywood em adaptar histórias clássicas com um viés modernoso já está mostrando evidentes sinais de desgaste, de cansaço criativo. Nos últimos anos, temos sido bombardeados com releituras "atualizadas" de obras de presença forte no inconsciente coletivo e na cultura pop, quase sempre com resultados aquém dos esforços publicitários.

É o que vemos em Alice Através do Espelho.

Em 2010, quando Tim Burton lançou seu Alice no País das Maravilhas, confesso que não pude avaliar direito o filme; saí da sala de projeção sem conseguir ter uma opinião muito bem caracterizada. O interesse à época de ver uma obra de Tim Burton  depois de alguns anos sem dar as caras  sob o selo Disney falou mais alto que as (possíveis) qualidades intrínsecas do filme. Ao mesmo tempo que gostei da proposta  uma reinvenção da história , achei que tanto Burton quanto Carroll na tela grande careciam de personalidade.

Se isso aconteceu com um diretor famoso que possui um público cativo e fãs de todas as idades, o que dirá de um diretor praticamente desconhecido?

Agora, Burton é produtor; quem assina a direção é James Bobin (de Os Muppets). Como a obra predecessora, é um filme que se deixa cativar pelo visual deslumbrante, coisa que é superdimensionada graças aos óculos 3D. No entanto, a superabundância lisérgica de colorido no filme torna cada cena enjoativa, de cansar os olhos já nos primeiros minutos de projeção.

A narrativa é frágil, anêmica, boboquinha até – mas mantém os elementos consagrados (manipulativos?) para prender a atenção do espectador.

Mia está sem sal na pele da protagonista. Não convence, principalmente nas cenas de "empoderamento feminino" que é, numa análise rasteira e superficial, um acerto de contas e um pedido de desculpas da Disney depois de entulhar – por décadas – a cinematografia mundial com princesinhas que, de um jeito ou de outro, seguiam a cartilha paternalista e machista.

A máquina do tempo foi um recurso interessante para preencher o filme com cenas de ação e perseguição tão caras ao grande público. A estética tem algo de A Invenção de Hugo Cabret [Martin Scorsese, 2011], mas Bobin não é Scorsese, é preciso dizer. Aliás, ele não é nem o Tim Burton do primeiro filme.

Há momentos que o filme "importa" um robô Transformer, um alívio cômico desnecessário numa película completamente burlesca.

A roteirista Linda Woolverton mais uma vez procura veicular suas mensagens didáticas e edificantes. Do começo ao fim o filme trata sobre dramas familiares, embates entre pais e filhos: Alice, Chapeleiro Maluco e Rainha Vermelha. No final, conclui-se que não se pode mudar o passado. Disney: demagogia, a gente vê por aqui.

Como era de se esperar, quase nada do livro se vê na telona. O legado de Carroll é destroçado em quase duas horas de tanto caos, e ainda há um inócuo esforço em "ordenar" tudo numa lógica bonitinha. O roteiro é confuso, uma sucessão de cenas e peripécias descoladas. Nem de longe se parecem com as brincadeiras de lógica presentes na obra original.

Alice através do Espelho não pode ser chamado de adaptação do livro. Em contrapartida, não possui musculatura para se segurar com pernas próprias.

Resta, então, crer que o filme apenas existiu por uma mera razão mercadológica. Para aproveitar o filão de "desconstruções / repaginações modernosas", tendência essa que parece que só agora, pelo menos no cinema, está entrando em franco declínio, enquanto na TV ela ainda terá vida longa e venturosa.

É um filme esquecível – e dispensável – para crianças de todas as idades, inclusive as adultas.

ALICE ATRAVÉS DO ESPELHO
(Alice Through the Looking Glass)
DIREÇÃO James Bobin
ELENCO Mia Wasikowska, Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Anne Hathaway e Sacha Baron Cohen.
PRODUÇÃO (EUA, 2016, 113 min.)
AVALIAÇÃO n  (regular)

Comentários

Postagens mais visitadas