O Hobbit – A Batalha dos Cinco Exércitos (2014)

Não é novidade para ninguém que a trilogia “O Hobbit” é um todo orgânico irregular. Principalmente quando se faz a inevitável comparação com “O Senhor dos Anéis”. Em “O Hobbit” notamos uma sensível queda de qualidade, ruídos, excessos, saltos de ritmo. Enquanto n’O Senhor dos Anéis, Peter Jackson primou pela síntese – e isso foi favorável à harmonia dos três filmes –, n’O Hobbit ele quis trilhar o caminho oposto – e, por essa razão, pouco se sustenta por si só. Em seu tão esperado desfecho, essa escolha de Jackson grita demais.

O filme “A Batalha dos Cinco Exércitos” passa uma sensação de inchaço, principalmente na overdose de pancadaria digital. De fato, o quebra-pau faz jus ao título, mas chega a sufocar o drama das personagens, a poesia de Tolkien, a emoção do público. Às vezes, Jackson perde a mão, e somado com seu gosto pelo bizarro, o filme vira um mero videogame.

Aplaudido como o homem que trouxe uma revolução técnica ao cinema, maior do que George Lucas e James Cameron, Peter Jackson também é interessante quando se aproxima do núcleo de atores, principalmente nas cenas iniciais, onde vemos os habitantes da Cidade do Lago aportando em terra firme, após verem suas casas serem destruídas pelo fogo de Smaug. São cenas que lembram um pouco daqueles seriados televisivos e filmes feitos numa época em que a falta de tecnologia de efeitos especiais obrigavam os diretores a dar belas panorâmicas com multidões reais atuando. E isso traz mais força dramática que as “trolladas” da computação gráfica utilizada na película.

Em “A Batalha dos Cinco Exércitos”, a melhor atuação talvez seja a de Richard Armitage – o rei anão Thorin. Não será exagero admitir que a história praticamente toda se passa por ele, e é por causa dele que a história caminha. Seu drama também é pessoal, pois, ao sofrer o “mal do ouro”, Thorin começa a manifestar um jogo complexo de sentimentos contraditórios, incrementando o suspense no longa. E, aos 45 do segundo tempo, quando ele finalmente decide sair da montanha, Thorin salva o filme da pasmaceira, da batalha interminável.

Luke Evans também está ótimo como Bard, o herói que matou o terrível dragão Smaug, mas, na estrutura do filme, Bard perde espaço e importância para um Thorin trágico, dividido entre a honra e a loucura, o heroísmo e a covardia. Bard tinha de tudo para ser melhor delineado, mas a história tomou uma abordagem que o desfavoreceu injustamente.

No entanto, o inchaço do filme pouco prejudica os redentores minutos finais, quando o ciclo se fecha e as duas trilogias se casam, com sutileza, emocionando como todo bom cinema. Sem esses momentos, a relação seria frágil demais.

Já há quem chame as duas trilogias de Jackson de “hexalogia do anel”. A comparação com “Star Wars”, embora pareça exagerada, não é vã. Tanto a hexalogia de Lucas quanto a de Jackson tem problemas parecidos. Principalmente porque, se a primeira trilogia historicamente falando lançaram os fundamentos para o sucesso, para cravar seu espaço na cultura pop, a trilogia tardia quis “pegar onda” de um sucesso consolidado, e daí soaram como estrelas menores.

“Hobbit” não termina à altura de “Senhor dos Anéis”, pois para ter força, precisa de todo o cabedal já construído pela trilogia veterana. Mas tem um mérito: dá fôlego para que os personagens de Tolkien ainda povoem as nossas mentes e os nossos corações por muito tempo. Mesmo em tom de despedida, Jackson não deixa o Tolkien cair no esquecimento.

Comentários

Unknown disse…
Não sei se esse rapaz é crítico de cinema ou algum catedrático na área das letras. Só sei que sua verve e seu poder de síntese lúcida e objetiva são cativantes. Parabéns!!!

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