Lucy (2014)
Em
1973, na conhecida canção “Ouro de Tolo”, Raul Seixas cantava: “É
você olhar no espelho / Se sentir um gradessíssimo idiota / Saber que é humano,
ridículo, limitado / Que só usa dez por cento de sua / Cabeça animal (...)”.
Não
se sabe ao certo quem e quando começou essa lenda dos 10%, mas hoje está
comprovado cientificamente que utilizamos sim todo o cérebro.
A
melhor hipótese, segundo matéria da Superinteressante, é que esse mito foi
criado pelos defensores da paranormalidade. Para eles, utilizar 100% do cérebro
é exclusividade de quem levita, lê mentes e entorta garfos à distância,
enquanto atividades do dia-a-dia limitam o resto de nós a apenas um décimo da “força
do pensamento”.
É
essa a premissa básica do filme de Luc Besson, realizador francês famoso por
trabalhos como “O Profissional” (1994) e “O Quinto Elemento” (1997).
O
filme conta a história de Lucy (Scarlett Johansson), uma moça que, forçada pelo
carinha com quem ela estava ficando, vai entregar uma mala a um misterioso Sr.
Jang (Min Sik Choi). No entanto, ela acaba caindo nas mãos de uma poderosa
máfia que está testando, naquela altura de campeonato, uma nova droga potente.
Lucy
acaba se tornando “mula” desses criminosos, pois eles inserem um pacote com a
droga no estômago da garota. Mas um chute que ela leva é capaz de estourar o
pacote, e parte da substância é absorvida pelo organismo de Lucy. A droga tem o
poder de aumentar a capacidade cerebral, e vemos então Lucy aumentar
incrivelmente suas proezas e habilidades.
Scarlett
Johansson está perfeitíssima para o papel, que é xérox de sua mesma Natasha
Romanoff / Viúva Negra de “Os Vingadores” (2012), ou seja, a mulher forte, a
gostosa que bate em todo mundo. Com o passar do longa, Lucy vai se
desumanizando, se tornando fria e robotizada, cheia das frases solenes.
A
reviravolta da história acontece quando Lucy resolve se vingar dos mafiosos,
caçando um a um implacavelmente. É aí que o filme enche de sangue, tiros e
perseguição de carros. Em paralelo, Lucy resolve abdicar-se da normalidade,
utilizando doses cada vez maiores da droga, como um experimento ambulante para
as teorias do famoso neurologista, Prof. Norman (Morgan Freeman).
O
roteiro é ágil e dinâmico. A trilha é atmosférica e está costurada. O filme
procura o ponto de equilíbrio entre a ficção científica e o cinema de ação,
pontuado com cenas de humor e drama.
O
filme procura o tom filosófico, como nos já consagrados “Trilogia Matrix”
(Irmãos Wachowski, 1999-2003), “A Viagem” (Tykwer & Irmãos Wachowski, 2012)
e “A Origem” (Nolan, 2010), ficando muito aquém. O filme também busca um
acabamento que lembra universo de histórias em quadrinhos, na política de mais
entreter do que fazer pensar.
Mas “Lucy”
peca pelos exageros, há excessos demais. Em várias cenas, a história joga a verossimilhança
na lata do lixo, bem como há cenas aleatórias, não-explicadas, que brotam do
nada. A fantasia é quem dita as regras, chegando a ser mero surrealismo em
determinados momentos.
É
certo que tanto nos filmes de ficção científica (como é o caso aqui) como nos
filmes de terror, a fantasia se mostra em um estado mais puro que em um drama
ou em uma comédia, por exemplo. No entanto, Luc Besson nos apresenta um
exercício de fantasia pela fantasia simplesmente. É realmente exagerado supor
que uma droga poderosa consiga deixar o ser humano hábil em técnicas que ele
nunca aprendeu, e capaz de vencer a morte, o espaço e o tempo.
Luc
Besson mostra-se um hábil contador de histórias pop fora do mundo
hollywoodiano, embora seus filmes bebam dessas águas. “Lucy” nasceu com
pretensões artísticas e comerciais, mas tornou-se um filme B elegante e caro,
como se pode ver em seu deplorável final.
Comentários