A poetisa e o dragão


Ele a largaria
para ver o jogo do Corinthians,
Clarice simplesmente,
inocentemente,
escreveria um poema pra decolar às estrelas.


E se a solidão a encurralasse na porta
com contas pra pagar
e o marido a milhas e milhas dali,
ela abriria as janelas para que as lágrimas não viessem,
ela deixaria que aquele odor forte
de sexo e de pólvora
enchesse a suas narinas,
inflasse seus pulmões.

Só assim ele viria
correndo, voando,
num estalido de dedos,
farejando o sangue, a boca cheia de saliva,
e Clarice toda abotoada até o pescoço.

Clarice cantaria para o sol, de felicidade,
derramando estrelas em um verso
mais que perfeito
enumerando razões para uma noite de amor.

Ele não.

Quando ele viesse se masturbar dentro dela,
pouco importarão
as luzes da cidade,
as nuvens do céu,
e ela, com sua roupa de menina moça,
e ela, com seu sorriso branco.

Ele a deixaria no vazio da cama, depois,
e iria ver o jogo do Corinthians.
Clarice procuraria juntar os mil pedacinhos
do seu verso mais que perfeito
assim
espalhados sobre o caos e o morno lençol de algodão,
sentindo a carne nua se iluminar com os fogos que pipocam lá fora,
e suas narinas se enchendo
os pulmões inflando
com aquele cheiro cortante
o cheiro do sexo,
o odor da pólvora.


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