O Jeca e a Égua Milagrosa (1980)


O último filme de Amácio Mazzaropi (1912-1981) demonstra muitos sinais de fadiga. Há, de fato, muitos momentos engraçados, como também muita piada sem graça. Mazzaropi repete muitas gags, que acaba não só esvaziando o potencial humorístico do filme mas também acaba prejudicando o esqueleto narrativo, tornando o enredo um todo orgânico irregular. 


Os filmes do Mazzaropi, em especial os coloridos, têm pouca coisa de cinema, e muito de uma espécie de circo-teatro filmado. Os diálogos têm uma solenidade absurda que, somados com a atuação engessada do corpo de atores, com as cenas deslocadas e forçadas, com o maniqueísmo quadrado, com sua trilha sonora que lembra fanfarras escolares... tudo isso faz do filme "O Jeca e a Égua Milagrosa" uma experiência cinematográfica sofrível, se não fosse, mais uma vez, Mazzaropi!

A "fórmula Jeca" já vinha se desgastando havia muito tempo. Mazzaropi já estava com idade avançada e doente quando trabalhou neste seu 32º filme. E mesmo assim, ele é o único que demonstra uma espontaneidade até mesmo nas cenas forçadas de cômica "possessão", ele é o único que justifica o riso nos mais de 100 minutos do filme. E com uma irreverência como comediante de se tirar o chapéu.

A trama é simples. Em uma cidade perdida no mapa, dois coronéis pretendem ser eleitos prefeito. O complicômetro à história toda é que os dois são líderes espirituais em seus terreiros de umbanda. Seu Afonso é o lado bom da trama, um religioso correto, de intenções puras, de uma religiosidade opaca e solene que nem se parece humano, de tão ideal. Seu Libório é o outro lado, um charlatão, um mistificador, um vilão monotom que quer ganhar as eleições a todo custo, e usa os capangas, a força das armas e a beleza da própria filha para conseguir seu intento.

O bem e o mal disputam as urnas e a cabeça dos eleitores.

A história é rocambolesca, cheia de idas e vindas, mesmo que os caminhos sejam conhecidos, óbvios e embolorados. E só de pensar que Libório possui uma égua a qual os fiéis atribuem poderes de cura, que a mulher de Raimundo (Mazzaropi) é um fantasma chato e atormentado, para se ter ideia de como o filme parece ter firmado compromisso com o riso fácil, o entretenimento desinteligente. O que pouca gente nota é que, atrás de tantos "pecados" cinematográficos relativos à forma, existe uma sacada, um tema, uma ideia, um argumento extremamente válido.

"Política e religião nunca devem se misturar" é a frase exaustivamente repetida em toda a película. E é esta tese que "O Jeca e a Égua Milagrosa" persegue e defende até seus últimos minutos. Era impossível assistir ao filme e não deixar de pensar em Silas Malafaia apoiando José Serra (PSDB) com seu jeitão cômico e escandaloso; Fernando Haddad (PT) liderando a preferência de voto entre os católicos e pentecostais, e até mesmo o ruidoso apoio da Igreja Universal ao candidato Russomanno (PRB), derrotado no primeiro turno.

Mazzaropi se revela um perspicaz cronista do seu tempo e da sua sociedade. A atualidade do tema é impressionante. Ao retratar as perigosas relações entre fé e poder, ao usar o terreiro de Libório como metáfora aos modernos currais eleitorais das religiões, o comediante que sempre fez filmes para toda a família nos impressiona com essa sacada iconoclasta, chegando no ápice quando Raimundo se casa com a Égua. E nos convida à reflexão.

É rindo que se castigam os costumes, parece dizer Mazzaropi. E faz um estrondoso sucesso, rendendo mais bilheteria que o fenômeno contemporâneo Pixote - A Lei do Mais Fraco, de Hector Babenco.

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