Alice no País das Controvérsias
Depois de quase um ano firme em meu divórcio, eu voltei às pazes com o cinema do Shopping Aricanduva. Mas meu regresso não foi assim, às mil maravilhas, não. Eu acabei pegando uma das piores salas. Plana feito uma mesa, o prazer de apreciar o filme foi um tanto comprometido. Mas, afinal, o filme valeria ou não valeria o esforço?
Desde o começo do ano havia o maior auê cercando o filme. E não é por menos. Tim Burton, um dos maiores diretores de todos os tempos, estava de volta. Ele se consagrou por ser fiel a um universo particular muito original, gótico, de personagens excêntricos e desacertados, visual deslumbrante. Ou, como diria alguém, Tim Burton é, na atualidade, um dos maiores expoentes da arte "surrealista pop". Mas, agora, a coisa seria mais instigante. A obra encarada é a controversa "Alice no País das Maravilhas", do não menos controverso Lewis Carroll (1832-1898). A obra, uma das maiores e mais estudadas do universo fantástico, um verdadeiro delírio lisérgico, obra cheia de trocadilhos, figuras extravagantes e símbolos que nos convidam a pensar, seria levada para as telonas por um gênio do cinema fantástico de nossos tempos. Um casamento para entrar na história.
No entanto, quando o filme começou, e vi aquele castelo com fogos explodindo, eu "aquietei o facho". Sou fã declarado do Tim Burton, e não menos fã de Lewis Carroll. Porém, eu vi que não poderia esperar pela genialidade puramente manifesta desses dois. O selo era Walt Disney. Para quem não sabe, a Walt Disney Pictures se tornou por muitas décadas a referência de entretenimento para toda a família. Obviamente, os grandes delírios da obra de Lewis Carroll seriam atenuados, diluídos. Eu torcia para que o estrago fosse o menor possível, não se igualando ao que ocorreu com a animação de 1951.
Se bem que o ponto de partida do filme é outro. Enquanto o longa de 1951 foi uma fusão infantilizada dos dois livros do Lewis Carroll ("Alice no País das Maravilhas" e "Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá"), esse filme dirigido pelo Tim seria uma "continuação alternativa". Algo até que normal, pois o Tim não faz adaptações gratuitas de obras já existentes, mas lança um novo olhar, é uma releitura sob uma perspectiva estética individual. Como foi o caso de "A Fantástica Fábrica de Chocolates", "O Planeta dos Macacos", "Sweeney Todd"... E em "Alice", o diretor parte de como seria a Alice, com 19 anos, voltando para esse País das Maravilhas. Isso porque Alice corre literalmente de um pedido de casamento, seguindo o emblemático Coelho Branco. Cai no velho buraco, e... Wonderland!
Participando dos fóruns no Orkut, eu me espantei com a irredutível polaridade das críticas apresentadas. Enquanto havia pessoas que se juntavam na panelinha de "Alice obra-prima", havia outros que se aglomeravam na panela "Alice filme lixo". As críticas eram implacáveis, apesar de vazias e repletas de ecos. Tudo porque essa gente não sacou muito bem o grande dedo da Disney nisso tudo. Gente, sejamos lúcidos. Sem sombras de dúvida, "Alice no País das Maravilhas" é o mais comercial dos filmes do Tim. É um retorno triunfal para sua casa, afinal, Tim Burton começou sua carreira nos estúdios da Disney, como desenhista e animador. "Alice" é seu primeiro longa sob o selo do pai do Mickey Mouse.
Essa tese é confirmada com uma análise do roteiro. O roteiro, assinado por Linda Woolverton, nome por trás dos roteiros de O Rei Leão e A Bela e a Fera, usa e abusa das fórmulas dos blockbusters. Por essa razão entendo a fúria dos críticos puristas e leitores ávidos de Carroll. Ela tornou aquele mundo de Carroll, o qual a lógica era justamente o absurdo, em um mundo "arrumadinho", para que as fórmulas dos blockbusters pudessem se encaixar sem maiores problemas. Logicamente destoou com a proposta do livro. E logicamente foi uma interessante sacada estratégica para agradar gregos e troianos, crianças e adultos, o grande público. Ou seja, um filme comercial.
Os personagens, obviamente, foram modificados para que entrassem nessa empreitada. Só a Alice me pareceu apática e sem carisma até nos momentos meigos com o Chapeleiro Maluco. Ela está muito aquém dos outros personagens, apesar de ostentar todo um ar messiânico, protofeminista, tão contundente em seus ideais (o contrário perfeito da garotinha confusa do livro). O Chapeleiro, que no livro, é uma personificação do completo absurdo, no filme tem traços de humanidade, é um cara movido por paixões, corajoso, quase um herói. Embora eu fiquei muito pasmo quando a crítica foi negativamente implacável para com a atuação de Johnny Depp. Falaram que sua performance foi cheia de "maneirices". Ora, o personagem era caricato, apesar da complexidade que se tentou colocar nele, no filme. Faço coro com o que disse Rubens Ewald Filho, que Johnny Depp criou um louco a mais, sem se repetir. Embora não achei muito legal a dancinha do Chapeleiro, uma tentativa forçosamente cômica de colocar um protótipo de Michael Jackson na sociedade inglesa vitoriana. Mas foi interessante deixar no ar essa sensação de romance entre o Chapeleiro e a Alice.
Outra personagem interessante é a Rainha Vermelha. A atuação de Helena Bonham Carter é magistral, com seu eterno bordão "cortem-lhe a cabeça!" .Embora, no filme, ela é fundida ou confundida com a Rainha de Copas. Em Lewis Carroll, a Rainha de Copas é a tirana (personagem de "Alice no País das Maavilhas), ao passo que a Rainha Vermelha (que só aparece na segunda obra) não é inimiga da Rainha Branca, e no livro até tomam chá juntas. No entanto, o roteiro tornou essa incoerência literária uma premissa básica para construir a trama, afinal, precisava de uma pitada de maniqueísmo para tornar a atmosfera Disney muito mais presente. Com essas duas rainhas diametralmente opostas e brigando por um bem comum (a coroa), o sabor do épico genérico que remete aos gigantes do entretenimento fantástico infanto-juvenil ("O Senhor dos Anéis" e "Harry Potter") poderia ser inserido, e foi o que aconteceu.
O roteiro na realidade tem dois caminhos paradoxais. Sua proposta é original, pois toma posse de um universo, mas dá um passo adiante, é uma "continuação alternativa" do mundo imaginado pelo Lewis Carroll. Há originalidade e ousadia nessa proposta. No entanto, a forma com que o roteiro é construído é tão convencional e tão recheada de clichês... veja aquela batalha na montanha entre Alice e o Jaguardarte! A originalidade da proposta se perde no caráter convencional da história. O bem que vence o mal, as lutas, a moça desacreditada no início que vence um monstro poderoso... são coisas que reafirmam a velha filosofia Disney.
Essa onipresença Disney é interessante quando olhamos sob perspectivas mercadológicas. O visual do filme é perfeito, vislumbrante, coisa que em salas de projeção Imax chega às raias da magia. A estética é exuberante, um delírio sensorial fascinante. E, em matéria da técnica, é um avanço dos Estúdios Disney nesse mundo 3-D que promete ser o cinema dos nossos dias. Afinal, foi "Avatar" quem abriu a porta, quem elevou o cinema mundial a um outro patamar com suas inovações técnicas arrebatadoras. Nessa era pós-Avatar, sinto que a Disney queira dizer através de "Alice": "Nós também estamos no futuro. Reafirmando as tradições que nos levaram até aqui."
Falando em "Avatar", foi um tanto hilário ver fãs de James Cameron se digladiando desnecessariamente com os fãs de Tim Burton. A briga foi farta em elevar ainda mais a qualidade que cada diretor carrega consigo, mas foi completamente ausente em mostrar o que os aproxima em ambas as películas. James Cameron é um grande nome da ficção científica e dos efeitos especiais grandiosos. Tim Burton nem é preciso dizer... mas vocês que viram as duas películas e conhecem um pouco do universo cinematográfico de ambos, vocês não concordam que o visual ganhou escandalosamente da história? Em ambos os filmes. Ao meu ver, isso aconteceu de modo mais trágico em "Avatar". Afinal, digo e repito: James Cameron não é conhecido pela força de seus roteiros. E soou meio contraditório o casamento entre a proposta técnica revolucionária e a filosofia ambiental a la Pocahontas, sendo que a crítica e até a Academia saudaram a primeira em detrimento da segunda, por causa da fraqueza do argumento. Enquanto o visual ali foi fascinante, um marco no cinema, tal. Em "Alice" o visual também é interessante. O roteiro, de política simples, apesar de ter a moral Disney, entrete com eficácia sem levantar bandeiras ideológicas. Na briga contra Avatar, ponto pra Alice.
Apesar de diluído, emendado, atenuado, o mundo de Lewis Carroll ainda instigou perguntas. Eu não sei se a roteirista quis manter um pouco do ar aparentemente alegórico da obra no filme também. Mas achei interessante que muitos que assistiram debateram sobre o significado simbólico deste ou daquele personagem. Eu li algo sobre a "paternidade" de Alice ser representada pela figura do Gato de Cheshire ou pelo Chapeleiro Maluco. De fato, é um debate discutível, e muito mais discutível ainda saber se isso estava na mente de Tim ou de Linda, ou o fenômeno de se debruçar sobre essas perguntas sejam explicadas pelo fato de um restinho de Lewis ainda estar por ali. Fiquei interessado pela obsessão que a história tem por olhos: Stayne, "amante" da Rainha Vermelha, não possui um olho, e tem um coração no lugar; aquela rata arranca o olho daquele gigante peludo; tempos mais tarde, Alice devolve o olho desse bicho em troca da Espada Vorpal... o olho daquela ave perigosa é furada pela mesma rata... enfim, é algo que também poderia estar em um debate interessante.
Acredito que é um dos melhores filmes Disney que assisti nos últimos anos. Mas, ao contrário dos fãs entusiastas, não acredito que leve a estatueta de melhor filme no ano que vem. Como fã do Tim, não acho que foi uma de suas melhores películas. Tim é um diretor genialíssimo, embora esse filme não pode ser encarado como "piada na carreira de Tim Burton" conforme sinalizaram os blogueiros mais dramáticos. Como fã do Lewis, acredito que sua obra teve certa hemorragia de essência ao ser transportada para as telonas. Se bem que soa estranho comparar o filme com a obra, pois o filme não pretende fazer uma adaptação hermeticamente fechada, traduzida, fiel dos livros. O filme tem a ousadia de propor uma "continuação alternativa", como faço questão de frisar. Agora se essa continuação é digna ou não de Lewis, aí sao outros quinhentos. Até porque o Lewis morreu em 1898, logo é impossível e inútil especular se ele continuaria a trama dessa maneira, e duvido que a roteirista Linda Woolverton seja expert na obra do escritor britânico. Para ser sincero, o filme é mais uma continuidade interessante para o desenho de 1951 do que das obras, embora, em relação ao desenho, Alice de Burton seja muito mais próximo dos livros.
Para quem gosta de entretenimento, é uma boa pedida. Reafirmando as suas tradições, a Walt Disney marca uma presença formidável neste mundo pós-Avatar. Foi a Disney quem mais apareceu no filme, e foi a Disney quem mais lucrará com suas metas cumpridas, afinal o filme já é um fenômeno mundial. Até porque o filme pode ser encarado como a condensação da seguinte equaçãozinha:
Tim Burton 2%
Lewis Carroll 2%
Walt Disney 96%
Com essas proporções em mente, acredito que os críticos mais lúcidos não colocariam o filme em um altar, nem o jogariam na fossa. "Alice no País das Maravilhas": nem céu, nem inferno. Simples assim.
Desde o começo do ano havia o maior auê cercando o filme. E não é por menos. Tim Burton, um dos maiores diretores de todos os tempos, estava de volta. Ele se consagrou por ser fiel a um universo particular muito original, gótico, de personagens excêntricos e desacertados, visual deslumbrante. Ou, como diria alguém, Tim Burton é, na atualidade, um dos maiores expoentes da arte "surrealista pop". Mas, agora, a coisa seria mais instigante. A obra encarada é a controversa "Alice no País das Maravilhas", do não menos controverso Lewis Carroll (1832-1898). A obra, uma das maiores e mais estudadas do universo fantástico, um verdadeiro delírio lisérgico, obra cheia de trocadilhos, figuras extravagantes e símbolos que nos convidam a pensar, seria levada para as telonas por um gênio do cinema fantástico de nossos tempos. Um casamento para entrar na história.
No entanto, quando o filme começou, e vi aquele castelo com fogos explodindo, eu "aquietei o facho". Sou fã declarado do Tim Burton, e não menos fã de Lewis Carroll. Porém, eu vi que não poderia esperar pela genialidade puramente manifesta desses dois. O selo era Walt Disney. Para quem não sabe, a Walt Disney Pictures se tornou por muitas décadas a referência de entretenimento para toda a família. Obviamente, os grandes delírios da obra de Lewis Carroll seriam atenuados, diluídos. Eu torcia para que o estrago fosse o menor possível, não se igualando ao que ocorreu com a animação de 1951.
Se bem que o ponto de partida do filme é outro. Enquanto o longa de 1951 foi uma fusão infantilizada dos dois livros do Lewis Carroll ("Alice no País das Maravilhas" e "Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá"), esse filme dirigido pelo Tim seria uma "continuação alternativa". Algo até que normal, pois o Tim não faz adaptações gratuitas de obras já existentes, mas lança um novo olhar, é uma releitura sob uma perspectiva estética individual. Como foi o caso de "A Fantástica Fábrica de Chocolates", "O Planeta dos Macacos", "Sweeney Todd"... E em "Alice", o diretor parte de como seria a Alice, com 19 anos, voltando para esse País das Maravilhas. Isso porque Alice corre literalmente de um pedido de casamento, seguindo o emblemático Coelho Branco. Cai no velho buraco, e... Wonderland!
Participando dos fóruns no Orkut, eu me espantei com a irredutível polaridade das críticas apresentadas. Enquanto havia pessoas que se juntavam na panelinha de "Alice obra-prima", havia outros que se aglomeravam na panela "Alice filme lixo". As críticas eram implacáveis, apesar de vazias e repletas de ecos. Tudo porque essa gente não sacou muito bem o grande dedo da Disney nisso tudo. Gente, sejamos lúcidos. Sem sombras de dúvida, "Alice no País das Maravilhas" é o mais comercial dos filmes do Tim. É um retorno triunfal para sua casa, afinal, Tim Burton começou sua carreira nos estúdios da Disney, como desenhista e animador. "Alice" é seu primeiro longa sob o selo do pai do Mickey Mouse.
Essa tese é confirmada com uma análise do roteiro. O roteiro, assinado por Linda Woolverton, nome por trás dos roteiros de O Rei Leão e A Bela e a Fera, usa e abusa das fórmulas dos blockbusters. Por essa razão entendo a fúria dos críticos puristas e leitores ávidos de Carroll. Ela tornou aquele mundo de Carroll, o qual a lógica era justamente o absurdo, em um mundo "arrumadinho", para que as fórmulas dos blockbusters pudessem se encaixar sem maiores problemas. Logicamente destoou com a proposta do livro. E logicamente foi uma interessante sacada estratégica para agradar gregos e troianos, crianças e adultos, o grande público. Ou seja, um filme comercial.
Os personagens, obviamente, foram modificados para que entrassem nessa empreitada. Só a Alice me pareceu apática e sem carisma até nos momentos meigos com o Chapeleiro Maluco. Ela está muito aquém dos outros personagens, apesar de ostentar todo um ar messiânico, protofeminista, tão contundente em seus ideais (o contrário perfeito da garotinha confusa do livro). O Chapeleiro, que no livro, é uma personificação do completo absurdo, no filme tem traços de humanidade, é um cara movido por paixões, corajoso, quase um herói. Embora eu fiquei muito pasmo quando a crítica foi negativamente implacável para com a atuação de Johnny Depp. Falaram que sua performance foi cheia de "maneirices". Ora, o personagem era caricato, apesar da complexidade que se tentou colocar nele, no filme. Faço coro com o que disse Rubens Ewald Filho, que Johnny Depp criou um louco a mais, sem se repetir. Embora não achei muito legal a dancinha do Chapeleiro, uma tentativa forçosamente cômica de colocar um protótipo de Michael Jackson na sociedade inglesa vitoriana. Mas foi interessante deixar no ar essa sensação de romance entre o Chapeleiro e a Alice.
Outra personagem interessante é a Rainha Vermelha. A atuação de Helena Bonham Carter é magistral, com seu eterno bordão "cortem-lhe a cabeça!" .Embora, no filme, ela é fundida ou confundida com a Rainha de Copas. Em Lewis Carroll, a Rainha de Copas é a tirana (personagem de "Alice no País das Maavilhas), ao passo que a Rainha Vermelha (que só aparece na segunda obra) não é inimiga da Rainha Branca, e no livro até tomam chá juntas. No entanto, o roteiro tornou essa incoerência literária uma premissa básica para construir a trama, afinal, precisava de uma pitada de maniqueísmo para tornar a atmosfera Disney muito mais presente. Com essas duas rainhas diametralmente opostas e brigando por um bem comum (a coroa), o sabor do épico genérico que remete aos gigantes do entretenimento fantástico infanto-juvenil ("O Senhor dos Anéis" e "Harry Potter") poderia ser inserido, e foi o que aconteceu.
O roteiro na realidade tem dois caminhos paradoxais. Sua proposta é original, pois toma posse de um universo, mas dá um passo adiante, é uma "continuação alternativa" do mundo imaginado pelo Lewis Carroll. Há originalidade e ousadia nessa proposta. No entanto, a forma com que o roteiro é construído é tão convencional e tão recheada de clichês... veja aquela batalha na montanha entre Alice e o Jaguardarte! A originalidade da proposta se perde no caráter convencional da história. O bem que vence o mal, as lutas, a moça desacreditada no início que vence um monstro poderoso... são coisas que reafirmam a velha filosofia Disney.
Essa onipresença Disney é interessante quando olhamos sob perspectivas mercadológicas. O visual do filme é perfeito, vislumbrante, coisa que em salas de projeção Imax chega às raias da magia. A estética é exuberante, um delírio sensorial fascinante. E, em matéria da técnica, é um avanço dos Estúdios Disney nesse mundo 3-D que promete ser o cinema dos nossos dias. Afinal, foi "Avatar" quem abriu a porta, quem elevou o cinema mundial a um outro patamar com suas inovações técnicas arrebatadoras. Nessa era pós-Avatar, sinto que a Disney queira dizer através de "Alice": "Nós também estamos no futuro. Reafirmando as tradições que nos levaram até aqui."
Falando em "Avatar", foi um tanto hilário ver fãs de James Cameron se digladiando desnecessariamente com os fãs de Tim Burton. A briga foi farta em elevar ainda mais a qualidade que cada diretor carrega consigo, mas foi completamente ausente em mostrar o que os aproxima em ambas as películas. James Cameron é um grande nome da ficção científica e dos efeitos especiais grandiosos. Tim Burton nem é preciso dizer... mas vocês que viram as duas películas e conhecem um pouco do universo cinematográfico de ambos, vocês não concordam que o visual ganhou escandalosamente da história? Em ambos os filmes. Ao meu ver, isso aconteceu de modo mais trágico em "Avatar". Afinal, digo e repito: James Cameron não é conhecido pela força de seus roteiros. E soou meio contraditório o casamento entre a proposta técnica revolucionária e a filosofia ambiental a la Pocahontas, sendo que a crítica e até a Academia saudaram a primeira em detrimento da segunda, por causa da fraqueza do argumento. Enquanto o visual ali foi fascinante, um marco no cinema, tal. Em "Alice" o visual também é interessante. O roteiro, de política simples, apesar de ter a moral Disney, entrete com eficácia sem levantar bandeiras ideológicas. Na briga contra Avatar, ponto pra Alice.
Apesar de diluído, emendado, atenuado, o mundo de Lewis Carroll ainda instigou perguntas. Eu não sei se a roteirista quis manter um pouco do ar aparentemente alegórico da obra no filme também. Mas achei interessante que muitos que assistiram debateram sobre o significado simbólico deste ou daquele personagem. Eu li algo sobre a "paternidade" de Alice ser representada pela figura do Gato de Cheshire ou pelo Chapeleiro Maluco. De fato, é um debate discutível, e muito mais discutível ainda saber se isso estava na mente de Tim ou de Linda, ou o fenômeno de se debruçar sobre essas perguntas sejam explicadas pelo fato de um restinho de Lewis ainda estar por ali. Fiquei interessado pela obsessão que a história tem por olhos: Stayne, "amante" da Rainha Vermelha, não possui um olho, e tem um coração no lugar; aquela rata arranca o olho daquele gigante peludo; tempos mais tarde, Alice devolve o olho desse bicho em troca da Espada Vorpal... o olho daquela ave perigosa é furada pela mesma rata... enfim, é algo que também poderia estar em um debate interessante.
Acredito que é um dos melhores filmes Disney que assisti nos últimos anos. Mas, ao contrário dos fãs entusiastas, não acredito que leve a estatueta de melhor filme no ano que vem. Como fã do Tim, não acho que foi uma de suas melhores películas. Tim é um diretor genialíssimo, embora esse filme não pode ser encarado como "piada na carreira de Tim Burton" conforme sinalizaram os blogueiros mais dramáticos. Como fã do Lewis, acredito que sua obra teve certa hemorragia de essência ao ser transportada para as telonas. Se bem que soa estranho comparar o filme com a obra, pois o filme não pretende fazer uma adaptação hermeticamente fechada, traduzida, fiel dos livros. O filme tem a ousadia de propor uma "continuação alternativa", como faço questão de frisar. Agora se essa continuação é digna ou não de Lewis, aí sao outros quinhentos. Até porque o Lewis morreu em 1898, logo é impossível e inútil especular se ele continuaria a trama dessa maneira, e duvido que a roteirista Linda Woolverton seja expert na obra do escritor britânico. Para ser sincero, o filme é mais uma continuidade interessante para o desenho de 1951 do que das obras, embora, em relação ao desenho, Alice de Burton seja muito mais próximo dos livros.
Para quem gosta de entretenimento, é uma boa pedida. Reafirmando as suas tradições, a Walt Disney marca uma presença formidável neste mundo pós-Avatar. Foi a Disney quem mais apareceu no filme, e foi a Disney quem mais lucrará com suas metas cumpridas, afinal o filme já é um fenômeno mundial. Até porque o filme pode ser encarado como a condensação da seguinte equaçãozinha:
Tim Burton 2%
Lewis Carroll 2%
Walt Disney 96%
Com essas proporções em mente, acredito que os críticos mais lúcidos não colocariam o filme em um altar, nem o jogariam na fossa. "Alice no País das Maravilhas": nem céu, nem inferno. Simples assim.
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