Dois poemas de Rüştü Onur e de Muzaffer Tayyip Uslu

Vi, nesses dias, o maravilhoso filme turco The Butterfly's Dream (Yilmaz Erdogan, 2013). O filme conta a história real de dois jovens poetas, em plena Segunda Guerra Mundial, num pequeno vilarejo da Turquia, que tentam sobreviver à pobreza e à tuberculose enquanto escrevem os seus poemas. Os poetas são os amigos Rüştü Onur (1920-1942) e Muzaffer Tayyip Uslu (1922-1946). 

Eu, que como sempre amei e escrevi poesia, obviamente fiquei emocionado. O filme merece uma resenha longa, meditada e elogiosa que deixo para mais adiante. Mas a primeira coisa que fiz, terminado o filme, foi vasculhar a internet à procura de algum poema desses dois jovens sonhadores. É claro que não encontrei nada em português. Alguma coisinha em espanhol, quase nada em inglês e muita coisa em turco.

Nasceu então o desejo de tentar traduzir esses pequenos poemas. Nada conheço desse idioma. Comecei comparando as traduções disponíveis, utilizando tradutores eletrônicos, vasculhando dicionários online, ouvindo os poemas sendo recitados. Foi assim que surgiram estas pequenas e tímidas transposições para o português, que seguem logo abaixo.

É claro que tentativas como essa estão expostas a muitos erros e equívocos. Meu esforço é apenas para apontar a necessidade de trazer para o nosso idioma a beleza imagética e a singeleza cativante da obra desses poetas turcos que, infelizmente, morreram muito jovens.

Seguem quatro poemas. Dois poemas de Rüştü Onur, a saber Nostalji (Nostalgia) e Memnuniyet (Satisfação). E dois de Muzaffer Tayyip Uslu, Rüştü'den Gelen Mektup (Carta de Rüştü) e Öldükten Sonra (Depois que eu morrer).


NOSTALGIA

Você, minha querida cidade,
Você deve saber que passo as noites em claro.
E quando todos os batalhadores
Dormirem, em uma hora, sob as marquises,
Eu tocarei a minha gaita na rua.
Você, minha querida cidade,
Você é quem leva as minhas mãos até os meus olhos.

Minha querida cidade,
Para eu te deixar agora,
Está tudo bem.
O navio está pronto, prestes para zarpar.
Porém, não sei porque,
Não me deixam sozinho os meus mortos.

Rüştü Onur (1949)

SATISFAÇÃO

Mal algum farei
À abelha em sua colmeia
Ao pássaro em seu ninho.
Eu vivo à minha maneira
Sob o meu chapéu.
O meu sorriso sem motivo vai às ruas
É a minha satisfação;
E esta loucura absurda
Vem de dentro de mim.
Não posso ficar calado
À semelhança dos mortos
No meio deste mundo tão belo.

Rüştü Onur (23.09.1942) 

 

CARTA DE RÜŞTÜ

A Oktay Rifat

Antes de qualquer coisa, saudações a todos os poetas
E então eu gostaria de dizer
A morte não é nada boa
Nem de manhã, nem à noitinha.

Eu beijo as mãos das ruas
Elas me ensinaram a viver
Sejam amigos ou inimigos
Eu desejo um bom dia a todos

Diga à datilográfica de cabelos loiros
Que eu não existo mais
Lembre os companheiros infiéis
O mundo não foi deixado para ninguém

Como posso esquecer que a vida era bela?
Mas Oktay estava certo
“As memórias são como pássaros
precisam dos ramos para pousar”

Muzaffer Tayyip Uslu


DEPOIS QUE EU MORRER

Depois que eu morrer
Vão eles falar às escondidas
Ele só escreveu poesia
Nas noites chuvosas
Com as mãos nos bolsos
Vão dizer que triste
Quem for ler o meu diário
Que homem infeliz ele era
Perdeu a fé por falta de dinheiro 

Muzaffer Tayyip Uslu (1945) 

Comentários

Só acho que... disse…
Acabei de assistir...tao encantada quanto você. Estava tambem vasculhando a i ternet quando te achei. Obrigada!
Unknown disse…
Felicito-o muito por suas transposições. Faz tempo venho garimpando os pensamentos turcos que ficam entre anunciados de seriados, e tenho me admirado bastante com alguns filmes. Como você e como outros comentadores aqui, também cheguei ao seu texto "fuçando na internet" por poemas dos dois poetas, e acho que seu trabalho chegou a um bom resultado. Gratidão e boa noite.
Anônimo disse…
Me encantei, também, por esse filme lindo e triste mas Real, obrigada por essas traduções um abraço.
Anônimo disse…
Como não se encantar?
Obrigada pelas traduções!! Forte abraço!!
Unknown disse…
assisti ontem a este filme tão denso e ao mesmo tempo tão tênue, como a vida dos meninos, que jamais sairão do meu coração! Um sofrimento que a meu ver, só resistia à toda a dor por causa da poesia! Da vontade de escrever! Quão triste é saber que partiram tão jovens, sem a oportunidade de conhecer a vida! Quantas poesias não escreveriam no decorrer do que não puderam viver! Que lealdade! Que irmandade! Quanto amor! Nem sei dizer o misto de tantas emoções que ainda sinto, depois de assistir! Orei por eles! Pedi a Deus que eles se encontrem em uma vida que não termina!
Gláucia Ventura disse…
Acabo de assistir e muito encantada e emocionada com essa triste real história. Obrigada por ter compartilhado as preciosidades que são esses poemas. Pena que o filme está sendo removido da Netflix. Espero que entre em outras plataformas para que possa indica-lo a outras pessoas. Um abraço.

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